A patologização do comportamento humano

Por Gustl Rosenkraz

A menopausa, por exemplo, é uma fase normal na vida de qualquer mulher desde que a humanidade existe. Em meados do século passado, a medicina começou a enquadrar os sintomas típicos desta interrupção fisiológica dos ciclos menstruais como transtornos de saúde, classificando o climatério como doença e tratando-o com hormônios, mesmo que essa terapia tenha feito mais mal que bem, aumentando e não reduzindo a incidência de câncer na mama, como é suposto pelos defensores dessa terapia. Ora, mas para que tratar algo que faz parte da vida humana, que é algo que foi estipulado assim pela natureza e que, com certeza, tem seu sentido? Em minha opinião, isso se deve principalmente a uma mentalidade de querer domar a natureza em todos os sentidos, à arrogância de médicos que acreditam saber mais que a criação, à devoção de pacientes que ainda acreditam cegamente em uma medicina que está mais preocupada com sua vaidade e com o lucro do que com seu bem-estar e à ganância da indústria farmacêutica, que faz questão de patologizar o ser humano para vender mais medicamentos.

Bom, o exemplo acima refere-se em primeira linha à saúde física (mesmo que interferências hormonais também tenham seus efeitos psíquicos), mas não é muito diferente com nossos comportamentos, que também são questionados, fazendo com que coisas que até pouco tempo atrás valiam como normais sejam hoje classificadas como distúrbios. Ou você ainda não notou que palavras como bipolaridade, hiperatividade e depressão andam em moda? Não acha estranho que o mundo inteiro esteja ficando “louco”, que todo mundo parece sofrer de algum mal comportamental? O que antigamente era inerente ao comportamento humano e à personalidade de cada um é hoje transformado em distúrbio psicológico. Temperamento é classificado como agressividade, letargia como depressão, inquietude como hiperatividade, insegurança e dúvida como bipolaridade, sem falar do número crescente de crianças que andam por aí recebendo o diagnóstico definitivo de síndrome de Asperger ou coisa parecida.

É fato que o mundo moderno tem nos sobrecarregado bastante. O fluxo de informações é enorme, as relações têm se tornado mais escassas e superficiais, a velocidade com a qual o mundo muda deixa-nos tontos, as incertezas aumentaram… É compreensível que muitas pessoas tenham dificuldades de se orientar e se sentir bem em um mundo assim e, sem dúvida, um ou outro pode mesmo necessitar de auxílio profissional para se recompor e ter mais clareza, mas ainda assim: isso não é motivo para transformar comportamento humano normal em doença.

Parece-me que há um desejo forte de padronização do comportamento humano. Uma criança que entra na escola e não se comporta da forma esperada pelas pessoas à sua volta é rapidamente taxada de “criança problemática”, sem que se busque a fundo pela causa. Os pais, que querem o melhor para seus filhos, acreditam, buscam ajuda profissional, se veem confrontados com algum diagnóstico “moderno”, remédios são receitados e a criança termina patologizada devido a algo que possivelmente faz simplesmente parte de algo individual, que todos nós temos, e que foge de qualquer forma de padronização: sua personalidade.

O consumo de antidepressivos no mundo anda tão alto que cientistas descobriram que camarões estão se “suicidando” por causa da concentração das substâncias ativas desses medicamentos nos mares (vide: Science – ORF – em alemão). Ou seja: muita gente anda consumindo antidepressivos, que são então eliminados com a urina, que por sua vez vai parar na canalização. Como os sistemas de tratamento de esgotos não filtram tais substâncias completamente, elas vão para o mar, sendo então ingeridas pelos camarões. Sob efeito desses remédios, os camarões, que normalmente vivem a certa profundidade, onde a escuridão os protege contra predadores, perdem esse medo natural, nadam para a superfície, sendo então devorados por peixes e pássaros. Parece piada, mas não é. E isso que parece engraçado mostra um fato triste e preocupante: o mundo anda tomando muitos medicamentos antidepressivos. Acredito que sem motivo, pois não dá para crer que tanta gente esteja realmente sofrendo de depressão. Sou mais de acreditar que tudo isso se deve a uma falsa crença em “pílulas milagrosas”, que servem como mecanismo de fuga para pessoas que não querem enfrentar as dificuldades do dia-a-dia e para encher os bolsos de médicos e da indústria. Eu mesmo passei por uma situação interessante, que mostra bem como se lida com psicofármacos hoje em dia: fui mordido por um carrapato e infetado com borrélias, que atacaram meus músculos, causando dores horríveis. Como os médicos não descobriam o motivo, fiquei muito tempo sem saber o que se passava comigo, algo na verdade resultado de pura negligência e arrogância médica, já que eu mesmo havia questionado várias vezes se meus problemas não teriam ligação com a mordida do carrapato, mas os médicos negavam, ignorando as evidências. Pois bem, depois de sofrer muito e andar de consultório para consultório, fui hospitalizado para um exame mais profundo. Antes mesmo de qualquer exame ser feito, o médico me passou um antidepressivo, supondo que me ajudaria contra minhas dores. Não entendi a lógica e recusei esse tratamento. Mais tarde, um dia antes de ter alta, fiquei sabendo que TODOS os demais pacientes da enfermaria (cada um com problemas diferentes!!!) estavam tomando essa medicação. Para mim ficou claro que a intenção do médico não foi a de combater minhas dores coisa nenhuma. Desconfio que o hospital estava fazendo algum estudo ou simplesmente sendo bem remunerado pelo fabricante do remédio.

Há casos onde realmente há um distúrbio que precisa ser tratado, mas esses casos também já existiam antigamente. O que não dá para aceitar é um aumento assustador de patologias “inventadas” e exageradas, a medicação de psicofármacos como se fossem bombons e a transformação de qualquer nuança de individualidade em patologia. Seres humanos são seres singulares, cada um é diferente, cada um tem desejos e necessidades próprias, sua personalidade e sua forma de lidar com a vida e com o mundo, e isso é algo muito precioso. Jamais deveríamos abrir mão de nossa individualidade e muito menos permitir que sejamos transformados em “anormais” em nome de uma “normalidade” criada, que rejeita o que é diferente e tenta padronizar nosso comportamento. O mundo sem as “loucuras” individuais de cada um de nós nada mais seria que um lugar sem nenhuma graça, ou estou errado?






Escrevo sem luvas porque tocar é importante.