Birraaaaaaaa. Um bicho de duas cabeças!

Todas as crianças em alguma fase de seu desenvolvimento vão promover as tão temidas e constrangedoras birras. As menores são “autorizadas” por não conseguirem ainda comunicar de outra forma aquilo que as frustram. Mas quando um pouco maiores, assim que começam, despertam nas mães aquela sensação de impotência e de fracasso disciplinar sobre alguém tão pequeno!

Muitos vão achar repetitivo, mas sugiro fazer uma conta: quanto tempo realmente livre você passa com seu filho? Na ponta do lápis, passamos em média uma hora antes de levar na escola e três horas depois que chegamos do trabalho, multiplicado por 5 dias da semana serão 20 horas, mais o fim de semana (sempre em passeios pré-planejados ou com muito mais pessoas que só a família nuclear). Além disso, esse tempo é ocupado com alimentação, cuidados pessoais, tarefas escolares ou extra-escolares e TV.  E que correria, não? Qual será a qualidade desse tempo?

As crianças de até cinco anos, por mais que já tenham aprendido a falar, ainda são imaturas no que diz respeito à linguagem de seus sentimentos. Por isso, o choro, o mecanismo mais primitivo, sai em socorro dessa comunicação, aliado agora a outros recursos que a criança já aprendeu que causam alarde nos pais: se jogar no chão, se ferir, estar em público, gritar, e assim por diante.

Podemos dizer que a birra é uma reação extrema a um “não”, ou a algo de que elas discordem. Mas quando olhamos bem de perto, vemos que as birras nada mais são do que sinais de que os pais estão emocionalmente dispersos naquele momento em relação ao sentimento dos filhos. E é por isso que ela ocorre nos piores momentos, quando estamos ocupados!

A birra é um bicho de duas cabeças que se batem e não se entendem. De um lado, os pais tentando manter a ordem e realizar as tarefas de modo disciplinado com tempo muito curto e carregado de estresse do dia a dia. De outro, a criança, que tem seu tempo próprio, descobrindo o mundo pelos detalhes e sem a praticidade que conquistamos com a maturidade.

Enquanto o mundo adulto exige aceleração, eficiência e produtividade, o mundo infantil só tem imaginação, descoberta, criatividade e ritmo materno (aquele que ele ouvia na barriga da mãe, uma verdadeira batucada que vinha do coração dela). Se a criança e os pais saem desse compasso, logo os pais demonstram impaciência, pressa, irritação, e as crianças só têm a birra pra dizer que não aguentam esse ritmo.  Após aquele descontrole, é necessário retomar a calma e contar 1, 2, 3 para acertar e começar tudo de novo.

Durante a birra, lembre-se do cenário. Mesmo que seja em público, o que a criança está emitindo é uma insatisfação que não consegue conter e, por isso, a reproduz no corpo e no choro. Sendo assim, a contenha. Abaixe-se à altura dela, com voz calma, doce e principalmente firme, diga que você reconhece que é difícil não poder isso ou aquilo, entende que ela está frustrada, mas que o choro só ajuda a descobrir e não resolver o problema. Peça a ela calma, para interromper o choro e para que vocês conversem. Evite virar as costas e deixá-la chorando, isso só produz abandono e aumenta a raiva. Explique e espere: “com esse choro não dá pra te entender”, “vou esperar você parar de chorar pra gente conversar”, “quando parar de chorar, a gente conversa”. Acalmem-se juntos e, quando o silêncio reaparecer, voltem a conversar, explique novamente o porquê dessa frustração e diga que está ali do mesmo jeito,  mas que o não existe…

Tenho certeza de que muitos vão pensar “já tentei e não deu certo”, por isso o trabalho é anterior a crise. Mesmo que o tempo que vocês passem juntos seja assim tão corrido, cheio de tarefas e prevalecendo as necessidades disciplinares do mundo adulto, aprenda a respeitar a infância de seu filho. Aproveite a hora do banho, do trânsito, da comida, para relaxarem juntos e se conhecerem, inventem músicas, puxe conversa sobre coisas que ele te conta, ouça atentamente e, durante as brincadeiras, sempre ofereça resoluções ligadas a calma e paciência, além de reproduzir as ações cotidianas da pressa. Assim, você e seu filho estarão mais conectados emocionalmente e, se a birra aparecer, ele vai confiar que o “não” que você precisou impor não é castigo, nem abandono, e sim a necessidade daquilo naquele momento.

O cantinho do pensamento, virar as costas, bater (mesmo que de leve nas mãos ou bumbum), mandar pro quarto, tirar coisas que gostam; nada disso ajuda a criança a lidar com suas emoções, pois sozinhas elas apenas vão preservar a sensação de incompreensão dos pais e na próxima vez precisarão de uma cena ainda maior para ver se alguém os entende.

Quando as duas cabeças desse bicho birra param de se bater, os corações se reencontram e fica mais fácil para os pais perceberem quais são as necessidades e dificuldades dos filhos. Narrar o cotidiano, explicar os passos e decisões tomadas e às vezes também demonstrar frustrações e limites, ensinam para os filhos outras formas eficientes de se comunicarem com o mundo que não seja o choro, a birra, o escândalo.

Lembre-se da sua criança interna, reconheça em seu filho o melhor de você e ofereça! Cuidado para não se perder no tempo das obrigações e não sobrar muito para as relações. Abraços!






Psicanalista apaixonada pelo trabalho e pelos desdobramentos que o autoconhecimento pode proporcionar ao ser humano. Minha formação e desenvolvimento constante do olhar analítico me faz cada dia mais responsável e implicada com o compromisso de ser suave, acolhedora e continente das relações que permeiam a clínica. Formada pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, em 2007. CRP 06/93867 Atendo crianças, adolescentes e adultos em consultório particular desde 2009, realizo psicoterapia com enfoque psicanalítico para pessoas com depressão, pânico, ansiedade, stress, disturbios alimentares, compulsões, dependência química, dificuldades de relacionamento e processo de luto.