Como lidar com a ansiedade na escola?

Por Tory Oliveira

Crianças que sofrem de muita ansiedade não costumam ser vistas como um problema na escola. Para o psicólogo Philip Kendall, porém, professores e pais precisam prestar mais atenção aos sinais de alto nível de ansiedade em seus alunos e filhos.  “A ansidade por vezes passa despercebida. Mas, se nada for feito, o problema aparece depois”, afirma o professor da universidade norte-americana de Temple, na Filadélfia.

Segundo Kendall, crianças ansiosas tendem a apresentar mais chance de desenvolver transtornos de ansiedade ou depressão na vida adulta. O psicólogo conversou com Carta Educação em Porto Alegre (RS), onde ministrou um curso sobre o tema no I Congresso Wainer de Psicoterapias.*

Carta Educação: As causas da ansiedade são conhecidas? Por que algumas pessoas são ansiosas e outras não?

Philip Kendall: Existe uma resposta simples: não. Mas temos algumas indicações e evidências de que a ansiedade é parte biológica, parte cognitiva e parte relacionada ao meio em que se vive. Assim, uma criança pode ter um pai ansioso, mas não ser ansiosa e vice versa. Não é automático. Da mesma forma, não é porque você teve uma experiência assustadora quando criança que automaticamente se tornará uma pessoa ansiosa. Quando olhamos não para a causa, mas para aquilo que mantêm as crianças ansiosas, aí temos temos mais propriedade. As famílias, os professores e o meio em que a criança vive têm um papel importante tanto em manter a ansiedade indesejada quanto na sua redução.

CE: Como a escola ou o professor pode identificar um aluno ansioso?

PK: Há uma notícia boa e outra ruim. Na verdade, crianças moderadamente ansiosas costumam ser boas alunas: elas são motivadas, obedientes, fazem a lição de casa e se importam. Por isso, o professor não costuma identificá-la como um problema, até porque ela não é. Mas uma forma de identificar um caso de ansiedade extrema é observar o que a criança evita. Quando uma criança diz: “Eu não posso fazer isso porque estou com medo”, isto é, quando o medo torna-se uma justificativa para não realizar alguma atividade. Existem testes e entrevistas, mas eles levam tempo. Acredito que o melhor sinal para o professor é se perguntar: “a criança está evitando alguma coisa?”

CE: Por que é importante para o professor se importar com o nível de ansiedade de seus alunos?

PK: A maioria dos adultos e dos professores estão preocupados com crianças que inflingem a lei, roubam, carregam armas, etc. Tendemos a não nos preocupar com crianças ansiosas porque elas não nos incomodam. Mas, na verdade, quando eles não interagem com seus pares, estão mais propensos a  desenvolver, mais tarde, problemas psicológicos. A ansiedade é por vezes passa despercebida e, outras vezes, não é dada a devida atenção a ela. Mas, se você não fizer nada, o problema vai aparecer depois. Crianças ansiosas tem uma maior probabilidade de sofrer transtornos de ansiedade, maior probabilidade de desenvolver depressão, abuso de substância e suicídio na idade adulta. Se você tratar as crianças, pode reduzir esses problemas nos adultos.

CE: A ansiedade interfere na aprendizagem?

PK: Níveis muito baixos de ansiedade não são positivos, pois a criança pode dizer: “Eu tenho um teste importante amanhã, mas não me importo”. Níveis altos também não são bons. O que é melhor é o intermediário, isto é, a ansiedade moderada. A ansiedade moderada é bastante funcional. A ansiedade interfere na aprendizagem? Quando é muita alta, sim. Quando é moderada, na verdade, ela ajuda.

CE: Então a ansiedade em si não é uma coisa ruim.

PK: Sim, ela só é nociva se for muito intensa.

CE: O senhor afirmou que pais e professores tendem a fazer ajustes quando lidam com crianças ansiosas. Por que isso, ao contrário do que diz o senso comum, não é bom?

PK: Quando um pai ou mãe fica emocionalmente abalado ao ver a criança muito ansiosa ou chateada, a solução mais rápida é eliminar a causa da ansiedade na criança. Por exemplo, a criança tem medo de andar de carro, então você anda com ele de ônibus. É uma solução rápida, mas, com o tempo, ela na verdade piora a situação. Os efeitos de curto prazo desses ajustes é reduzir instantaneamente a angústia da criança mas, no longo prazo, os efeitos são indesejados. Isso torna cada vez mais difícil para a criança andar de carro, porque eles sentem que não são capazes de fazê-lo. Eles se tornam convencidos de que não conseguem.

CE: A superproteção de uma criança também contribui para agravar os casos de ansiedade?

PK: Sim. Na vida, você aprende na escola, por meio de seus pais e com seus erros. Se você não comete nenhum erro, você não aprende. Se você passa 10 anos da  sua vida com a mamãe e o papai te protegendo de tudo, quando algo der errado você não saberá o que fazer. Se os seus pais não deixam você interagir com seus amigos para te proteger, quando você precisar fazer algo que os envolva, você não saberá como agir. A superproteção cria uma criança que não está preparada para a vida adulta.

CE: As pessoas estão mais ansiosas hoje do que há 100 anos?

PK: Sim. A tendência atual é ir na direção errada. Na minha infância você ia para a escola, lá brincava e depois provavelmente fazia esportes ou tocava um instrumento musical – mas tudo era organizado pelas crianças. Hoje em dia, especialmente nos Estados Unidos, os pais organizam a brincadeira das crianças. As crianças não brincam, eles tem “playdates”. Em vez de se reunirem como crianças e inventarem um jogo, eles tem pais que dizem qual será o jogo e quais regras precisam ser seguidas. As crianças estão sob controle parental até quando deveriam estar só brincando. A brincadeira deveria acontecer livremente, sem a interferência dos adultos, brincar é saudável, é bom para as crianças, é assim que eles aprendem a se relacionar com os outros. Quando a brincadeira é muito organizada, você retira um estágio importante do desenvolvimento mental.

CE: E no longo prazo? As pessoas se tornam mais ansiosas?

PK: Um pouco mais ansiosas, e também mais isoladas.

CE: Que tipo de comportamento da parte do professor pode aumentar o nível de ansiedade nos alunos?

PK: A impossibilidade de prever eventos e a impunidade. Na vida, nós podemos nos tornar menos ansiosos quando é possível minimamente fazer previsões e controlar a situação. Quando você sabe que horas é preciso ir para algum lugar ou sabe que o Sol vai se levantar amanhã, por exemplo. O que torna as as pessoas mais ansiosas é quando não é possível prever. E se você não soubesse se amanhã terá emprego ou se haverá comida em sua mesa? A imprevisibilidade nos deixa com a senção de “o que eu vou fazer”? Quando pais e professores são explosivos, gritam, e esse comportamento é imprevisível, ele deixa a criança pensando: “quando vai acontecer de novo? Pode ser a qualquer momento”.

CE: Que tipo de recomendações ou conselhos você daria a um professor para que ele se relacione melhor com alunos ansiosos?

PK: Eu diria: dê a eles oportunidades, pouco a pouco, de serem mais corajosos. Não espere seus alunos irem de ansiosos para não-ansiosos. Trata-se de um processo lento, com pequenos passos ou pequenas oportunidades para agir com mais coragem. Se a criança tem medo de falar em sala de aula, não o coloque em frente aos seus colegas imediatamente, dê uma chance para que ele fique brevemente em frente da classe ou responda a pergunta simples. Dê a ele oportunidades graduais para enfrentar as situações com coragem.

CE: O que acontece se o professor também for ansioso?

PK: Isso não é nada bom. Na vida, se você é exposto a pessoas sem medo, ansiedade ou preocupações, você acaba acreditando que essa é a forma de se viver a vida. Nós queremos que as crianças ansiosas sejam expostas a pessoas capazes, elas mesmas, de tomar algumas atitudes. Porque não é possível controlar tudo e, se você não tentar, você nunca vai saber. Um professor disposto a deixar a criança a tentar, ela conseguindo ou não, é uma boa coisa.

CE: Que tipo de informação os professores e os gestores públicos deveriam saber sobre a ansiedade?

PK: Ansiedade é uma coisa normal. As emoções não são boas ou ruim. Se seu desejo é que o produto final seja pessoas corajosas, engajadas e bem-sucedidas, não crie crianças medrosas e preocupadas. Crianças medrosas e preocupadas, em geral, não não se tornam adultos corajosos e bem sucedidos. Elas se tornam adultos ansiosos, medrosos e preocupados.

* A jornalista viajou à Porto Alegre a convite do Wainer Psicologia Cognitiva

TEXTO ORIGINAL DE CARTA EDUCAÇÃO






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