Contra ódio, ‘Diário de Anne Frank’ foi lido antes de partidas de futebol

O tradicional minuto de silêncio que antecede algumas partidas de futebol foi diferente na rodada do meio da semana do Campeonato Italiano. Enquanto todos os jogadores e a arbitragem perfilavam, uma criança logo começava a leitura: “Eu vejo o mundo lentamente se transformando em selvageria; eu escuto o aproximar de um trovão que, um dia, vai nos destruir também. Eu sinto o sofrimento de milhões. E ainda, quando eu olho para o alto no céu, de alguma forma eu sinto que tudo vai mudar para melhor, que essa crueldade também vai acabar, que a paz e a tranquilidade vai retornar mais uma vez”.

 

O texto é um trecho do Diário de Anne Frank, escrito entre 12 de junho de 1942 e 1º de agosto de 1944, enquanto a jovem, então com 14 anos, quando se escondia com sua família e outros judeus perseguidos pelo exército alemão em um compartimento secreto junto aos escritório de seu pai, em Amsterdã. Menos de um ano depois, Anne foi encontrada pelos nazistas e morreu em um campo de concentração, mas suas palavras sobreviveram e viraram livro símbolo do extermínio judeu.

No último domingo (22) membros de uma torcida organizada da Lazio, clube da capital italiana, espalhou fotos de Anne Frank vestida com a camisa da rival Roma pelo setor sul do Estádio Olímpico, após a partida contra o Cagliari. Conhecidos como Irriducibili, os fascistas travestidos de torcedores normalmente ocupam o setor norte do estádio, mas o local estava interditado justamente devido a manifestações racistas três semanas antes, em uma partida contra o Sassuolo.

A ligação da torcida da Lazio com a extrema-direita não é nova. Começou ainda na primeira metade do século passado, graças a um famigerado torcedor, o ditador fascista Benito Mussolini. Na temporada de 1998/1999, em um clássico contra a Roma, os Irriducibili estenderam uma faixa na arquibancada com a frase “Auschwitz vossa Pátria, os fornos vossas casas”, em referência ao campo de concentração na Polônia que matou milhares de judeus em fornos e câmaras de gás. Uma das vítimas foi Anne Frank. Também não é difícil encontrar bandeiras nazistas pela arquibancada.

Os jogadores da Lazio até tentaram fazer com que a torcida tome um jeito. Na noite de quarta-feira (25 de outubro), eles entraram em campo para a partida contra o Bologna, no estádio local Renato Dall’Ara, com camisetas que estampavam a foto de Anne Frank e trazia uma mensagem contra o anti-semitismo. Mas não deu muito resultado. A maioria da torcida da Lazio boicotou a partida, enquanto alguns poucos que entraram ficaram cantando “Ne me frego”, ou “Eu não ligo”, enquanto o trecho do livro era lido.

O presidente do clube, Claudio Lotito, também tentou fazer sua parte. Ou mais ou menos isso. Ainda na segunda-feira visitou uma sinagoga em Roma e anunciou planos de levar alguns torcedores para conhecer Auschiwitz. Mas não demorou muito para ser desmascarado. Em um áudio vazado na quarta-feira aparecia afirmando que suas atitudes eram “um teatro que tinha que fazer”.

Na maioria dos estádios do país, da primeira à terceira divisão, a leitura do trecho do livro deu certo. Com aplausos da torcida e respeito. Em Turim, no entanto, quando a Juventus se preparava para enfrentar o SPAL, parte da torcida virou as costas para o campo e cantou o hino italiano durante a leitura. Torcedores da própria Roma também ignoraram as palavras de Anne Frank e não cantando em apoio a seu time.

TEXTO ORIGINAL DE REVISTA GALILEU






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