Deprimente é não ter um lar

Estar em casa em pleno sábado à noite pode soar a alguns como um último recurso, tédio, vergonhoso. Afinal, deveria estar pelas baladas e bares, não jantando com sua família. Contudo é importante refletir que estar com a família ao invés de fazer programas sociais, não é sinônimo de solidão, mas talvez seja de paz e conforto.

A família ou as pessoas que exercem este papel de cuidado são base para constituição psíquica, assim é através dela que se começa a conhecer o mundo. Estes cuidadores que possibilitam as experiências e relações sociais, assim como vínculos de amor. Não há nada mais problemático para a saúde psíquica do que dificuldades na relação entre pais e filhos. Muitos lares são marcados pela ausência, violência, segredos, maus tratos…

Apesar de haver uma nossa concepção histórica da família como algo sagrado, os seres humanos são fadados a cometer erros e muitos podem deixar dores muito profundas no psiquismo. Existem muitos tipos de família, em relação a configuração e a vivências psíquicas. As mais desestruturadas vivem a falta de individualidade e superproteção dos membros, assim são evitados conflitos a qualquer custo, então quando um dos membros começa a psicoterapia é algo extremamente ameaçador a aquele sistema.

Só é bom estar em casa quando se sabe que pode ter segurança em exercer sua personalidade ali. A família sempre foi vista como algo sagrado, porém há que se pensar além disso. A separação chegou ao Brasil nos anos 70, abrindo possibilidade de romper com muitos relacionamentos fadados ao fracasso ou conflituosos.

É comum que chegue aos consultórios de psicologia, pacientes que vivenciaram uma série de conflitos familiares e/ou vivenciam em suas famílias atuais, vítimas de violência, abuso psicológico entre outras formas de sofrimento.

Importante entender o que mantém a pessoa naquela relação. São comuns também relatos de pessoas que saem de casa excessivamente para fugir dali, o que é bastante sofrido.

Laços sanguíneos ou “casamentos de papel passado” não justificam a dor que pode estar sendo vivida num lar muito próximo ao seu. Laços não devem ser correntes de aço, não podem sufocar, machucar, bloquear.

São vivências de dores psíquicas contínuas, jogos de manipulação, humilhações, segredos, uma vergonha em pertencer a aquela relação e ao mesmo tempo um enorme medo e dependência. Às vezes nem se sabe se é possível ser diferente, até porque nunca foi diferente e essa realidade foi vivida sempre assim. Amo a partir do modelo em que fui amado, talvez essa seja a sina de alguns que, nós psicólogos, tentamos romper.

Se você viveu criado com familiares tóxicos ou tem uma família tóxica, é importante que busque ajuda para entender o quanto isso te afetou e ainda afeta em sua vida atual. A família não pode ser escolhida, mas o padrão de relacionamentos pode e este pode ser trabalhado em terapia.

Agora, se você acha mero tédio estar com a família em pleno sábado à noite, pense se isso é tédio mesmo ou segurança afetiva.

“Ninguém merece viver em um ambiente emocionalmente tóxico; sair dele não é somente necessário, é absolutamente vital”

Imagem de capa: Shutterstock/Antonio Guillem