Neurose de caráter, ganância e corrupção

Por WALDEMAR MAGALDI FILHO*

Com o advento do dinheiro, aconteceu a monetarização da vida em todos os sentidos. No início, o dinheiro era advindo da produção excedente de uma pessoa ou família, e servia para ser trocado pela produção excedente de outros, evitando assim o transtorno das barganhas de produtos e serviços. Graças a ele a vida ficou mais prática e fácil. Porém, foi surgindo a possibilidade e o desejo de acúmulo do dinheiro, porque ele não era perecível como a maioria dos produtos trocados. Com o passar dos tempos algumas pessoas, provavelmente por mérito da criatividade, dedicação e sorte, conseguiram acumular mais, e começaram a usar o serviço ou a produção de outras pessoas com intuito de ficarem com uma parcela do ganho produtivo delas. Outras pessoas foram ficando mais capacitadas e especialistas, oferendo serviços e ou produtos cada vez mais requintados e raros e, consequentemente, mais caros. Neste interim aconteceu o surgimento de grupos de indivíduos que juntaram forças e dinheiro, criando organizações de poder econômico, para tirarem mais lucros dos produtores de bens ou serviços, produzindo a menos valia dos produtores individuais, consolidando as vantagens da produção em escala. Tudo isso fomentou as diferenciações de classes sociais, econômicas, culturais, regionais e raciais, segmentando a sociedade, fortalecendo as minorias dominantes da maioria dominada, com seus subgrupos de excluídos, cada vez mais crescentes.

Paralelamente, no atual capitalismo neoliberal, o ter dinheiro, ou patrimônio, foi deixando de estar atrelado à produção de serviços ou produtos. Com isso, as pessoas deixaram de ser, invertendo a ordem natural da vida, porque o desejo de ter, preferencialmente sem servir ou produzir, explorando quem for possível, virou o grande negócio. Nesta ótica é que surge o mercado, um ente desconhecido e extremamente poderoso, capaz de reger a vida de todos nós, porque é o mercado que define o que presta e o que não presta, o que pode e o que não pode, o que é ético e o que não é ético. Causando um grande problema, porque o mercado segue apenas a lógica do lucro, do poder e do acúmulo. Desejando que a maioria fique na lógica do consumo, da dívida e do trabalho, objetivando o enriquecimento da minoria dominante e escravizando, pelo medo da exclusão econômica, a maioria solitária e pobre, representada pela massa infeliz, com desejo de mudança, mas sem saber o quê e como mudar, por estar condicionada aos desejos materiais e a ganância, como meio de alívio para esse mal estar. Essa é a lógica da desigualdade e, com ela, a dificuldade da mobilidade social.

Aliado a essa dinâmica da desigualdade econômica, perversa e viciosa, temos as questões humanas divididas diante das demandas dos instintos, representada por nosso lado titânico e materialista, e as arquetípicas, representada por nosso lado dionisíaco e anímico. Esta tensão é geradora de angústia e, se não houver uma integração criativa e harmoniosa entre o material e o espiritual, acaba acontecendo a enfraquecimento dos princípios éticos, a corrosão do caráter e a predisposição à corrupção. Esta dualidade intrínseca em cada um de nós, simultaneamente nos faz tentados e tentadores, com medo generalizado em busca da segurança material, porque a segurança espiritual, que é a fé, há muito foi perdida, com a contribuição desta ciência materialista, reducionista e causal. Sem fé e com medo, resta-nos a ilusão do poder e, com ela, perdemos também a capacidade de amar, porque onde um está o outro não pode estar.

Neste contexto é que a ganancia e a corrupção ganham espaço. O escrúpulo perde para o poder econômico, e a fé para a concretude patrimonial. Esse conflito está presente no âmago da nossa sociedade depressiva, fazendo-nos desejosos do gozo advindo dos prazeres imediatos, destroçando o amor e a ética. A verdadeira ética depende da consciência limpa, da boa noite de sono, da alegria e motivação para servir e da disposição para o exercício da alteridade, onde podemos nos ver por meio dos outros. Para isso, é preciso a capacidade de enfrentamento consciente dos episódios de mal-estar, insônia, angústia improdutiva, ansiedade, medos, culpas, ressentimentos ou depressão por meio do autoconhecimento, até compreendermos o que estamos fazendo ou deixando de fazer que esteja gerando esse mal-estar, conscientizados de que importa muito menos o que queremos da vida, do que o que a vida quer de nós! Essa é a grande pergunta! Será que estou servindo ao propósito da minha vida, disseminando a igualdade de possibilidades, a paz e o amor? Para depois que criarmos condições mínimas de igualdade podermos fomentar a liberdade, com ética e autoestima, para não corrermos o risco de voltarmos para a dinâmica do poder pelo poder.

Sabemos que este atual sistema econômico está comprometido, por conta da falta de sustentabilidade. Infelizmente, nosso consumo consome o planeta que está exaurido e muito populoso. Precisamos encontrar outra forma de vida, para diminuir a explosão demográfica, a desigualdade social e o individualismo egoísta, competitivo e cumulativo. Também acredito que a meritocracia é o melhor meio para contemplar quem se dedica, de forma íntegra e harmoniosa. Mas, neste momento, com tanta desigualdade, os pobres coitados que nascem sem condições mínimas de sobrevivência não tem chance de entrar no jogo do neoliberalismo. Por isso, necessitamos de um Estado que intervenha, de forma ética, consciente e não populista, na coibição dos abusos da usura, dos excessos de ganhos das minorias ricas e dominantes, impedindo, fiscalizando, punindo a ganancia, e a corrupção, que é sua parceira, fomentando a inclusão, erradicando as desigualdades, com objetivo de tirar, o mais rápido possível as pessoas da sua dependência, “desmamando-as” dos programas de qualquer tipo de ajuda social. Porque o melhor programa social é aquele em que as pessoas dependam dele o menor tempo possível!

Por isso, precisamos de muito investimento na educação para aprendermos a consumir sem consumir o planeta e continuar a gerar as desigualdades. A ideia não é tirar as conquistas que as pessoas conseguiram, com dignidade, escrúpulo e ética. O objetivo é o de dar condições para que todos possam ter conquistas com ética, mérito, trabalho e, na medida do possível, tirar daqueles que enriqueceram com corrupção, sem trabalho ou na criminalidade.

*WALDEMAR MAGALDI FILHO. Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, PIT – Psicologia Integrativa Transpessoal, Arteterapia e Expressões Criativas do IJEP (www.ijep.com.br) em parceria com a FACIS. E-mail: [email protected] Para mais artigos do autor visite o site IJEP, fonte do material transcrito acima.






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