Ninguém mais quer conversar?

Por Cristina F. Pereda

Sherry Turkle quer abrir uma discussão sobre a arte de conversar. Esta psicóloga norte-americana do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), uma das grandes estudiosas da digitalização de nossas vidas, quer saber por que cada vez mais nos comunicamos por celulares e dispositivos móveis em vez de fazê-lo pessoalmente, por que escolhemos enviar mensagens de texto e ligamos menos, e por que conversamos com um amigo enquanto estamos sentados na mesa com nossos filhos na hora do jantar.

Será que a arte de conversar está em crise? A pergunta inspirou a pesquisa que se tornou o livro Reclaiming Conversation, o último trabalho de Turkle, que há três décadas estuda como nos adaptamos aos avanços da tecnologia e sua influência em nossas relações. A autora representa hoje o setor mais moderado e realista de um contexto no qual que estamos mais acostumados a ouvir ao extremo. Turkle não acredita que a tecnologia seja o problema, mas sim como a utilizamos, e propõe que façamos um uso “deliberado” de nossos dispositivos.

A especialista fala do pai que acompanha sua filha de sete anos a uma excursão do colégio e se dá conta de que passou uma hora atualizando fotos de seu perfil de Facebook, mas não falou uma vez sequer com a menina. Do jovem que admite que olha o telefone para ver se há mensagens de seus amigos, mas que na falta de atualizações entra no Twitter, Instagram ou Facebook, “lugares familiares” para ele. “Nesse momento o telefone é meu amigo”, explica. Ou da universitária que reconhece que, ao saber que o familiar de uma amiga faleceu, lhe envia um e-mail, mas não telefona para ela “para não atrapalhar”.

Os adultos norte-americanos consultam em média seu telefone a cada seis minutos e meio. “Por que passamos tanto tempo enviando mensagens e mesmo assim nos sentimos tão desconectados dos demais?”, pergunta Turkle. A resposta, segundo ela, está tanto na falta de conversas cara a cara como na quantidade de vezes que as abandonamos para olhar o telefone. “Nós nos esquecemos de que há uma nova geração que cresceu sem saber o que é uma conversa sem interrupções”, garante.

Em seu livro anterior, Alone Together, Turkle fez seu primeiro diagnóstico do efeito da comunicação digital nas relações pessoais. As entrevistas que fez na época revelavam um mundo no qual os jovens estão frustrados pela falta de controle sobre as conversas que mantêm. Não sabem se seus interlocutores vão escutá-los ou para onde a conversa pode ir. Sentem-se incapazes de antecipar sua resposta. Em Reclaiming Conversation, Turkle defende que a sociedade deve aproveitar esse sentimento de engano para voltar à palavra falada, que define como uma “cura” diante da digitalização das interações sociais.

“A tecnologia está aqui para ficar, com todas as maravilhas que traz, mas é o momento de considerar como ela afeta outras coisas que apreciamos”, diz. Um dos riscos, segundo Turkle, é que podemos perder uma qualidade essencial nas relações humanas: a empatia. “Toda vez que você consulta seu telefone na presença de outras pessoas, estimula seus neurônios, mas também perde o que seu amigo, professor, cônjuge ou familiar acaba de dizer.”

A especialista garante que a conversa, o lugar no qual ouvimos e conhecemos o outro, é o espaço que representa mais riscos. “Nós nos escondemos uns dos outros porque é mais fácil compor e editar uma mensagem” digital do que “a conversa espontânea na qual podemos estar presentes e ser vulneráveis”. Alguns de seus entrevistados reconhecem que preferem “enviar uma mensagem” em vez de ter uma conversa “incômoda” com outra pessoa “na qual não podem controlar o que vão dizer”.

Ninguém mais quer conversar?
Diante da visão cética de Turkle, o debate sobre as benesses, supostas ou não, do mundo online inspirou grandes defesas por parte de outros dois especialistas norte-americanos. O professor nova-iorquino Jeff Jarvis descreve a Rede como uma “grande oportunidade para aumentar a transparência”. Jarvis criou seu primeiro blog no mesmo dia que caíram as Torres Gêmeas nos atentados de 11 de Setembro de 2001. Desde então, defende que a comunicação via web não leva à solidão, mas que está alimentando uma cultura de compartilhamento sem precedentes e de “fabricar relações”.

E estas relações são, segundo seu colega Clay Shirky, o verdadeiro potencial da Internet. Suas ideias, desenvolvidas em obras como Cognitive Surplus ou Lá Vem Todo Mundo, revelam que essas ferramentas permitem liberar nossas ansiedades humanas ancestrais de compartilhar, de nos relacionar, de cooperar, de sermos criativos.

Turkle abrange em sua pesquisa todo tipo de conversas, conosco mesmos, com nossa família e amigos, com nosso parceiro, nossos professores ou nossos companheiros de trabalho e com o resto da sociedade. Turkle alerta que “a tecnologia está nos silenciando” e que os telefones, computadores e tablets nos ajudaram a nos afastar do contato pessoal. “Até um telefone em silêncio inibe a conversa.” A interação digital atrai porque é a promessa de cumprir três de nossos desejos: “Que sempre vamos ser ouvidos, que podemos prestar atenção onde e quando quisermos, e que nunca teremos de ficar sós.”

A autora reconhece que grande parte da dependência dos dispositivos móveis se deve ao fenômeno conhecido como ‘FOMO’ –Fear of missing out– o medo de perder o que acontece enquanto estamos desconectados. Mas alerta que, levado ao extremo, condena os usuários a fazer constantemente várias coisas ao mesmo tempo: consultar o telefone durante o jantar com a família, responder e-mails durante uma reunião, apagar mensagens no semáforo. “Quando pensamos que somos multitarefa, na verdade nosso cérebro se move rapidamente de uma tarefa para outra e nossa efetividade decai com cada coisa que acrescentamos”, escreve.

A professora do MIT aponta as relações com as crianças como o maior perigo da tecnologia e relembra quase com nostalgia quando dizia à filha “use suas próprias palavras” em uma conversa ou “olhe para mim enquanto falo”. “Os menores aprendem que, façam o que fizerem, não conseguem atrair a atenção dos adultos que estão conectados. Vemos crianças que não conversam, mas também pais que não as olham nos olhos”, escreve Turkle. Nos menores está também a primeira promessa de esperança. “A maneira mais realista de romper este círculo é que os pais assumam sua responsabilidade como mentores (…) Não temos que pedir aos filhos que larguem o telefone, temos que dar o exemplo.”

Todos podemos estimular essa volta à conversa, diz Turkle, dando pequenos passos, como fazer as coisas mais devagar, criar lugares “sagrados” – em casa, na escola ou no escritório – onde não entrem os dispositivos móveis, ou convocar reuniões só para conversar. “Em vez de responder e-mails enquanto empurra o carrinho de sua filha, fale com ela; em vez de colocar um tablet no berço de seu bebê, leia um livro para ele.”

TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS






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