O Cérebro e o Número de Dunbar: Os Sentidos da Amizade Moram no Abraço!
Women hugging on city street

Robin Dunbar, antropólogo e psicólogo evolucionista da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, defende a ideia de que os contatos sociais são parte essencial da história evolutiva do nosso cérebro. Tudo começou quando ele, estudando macacos, percebeu que há uma relação significativa entre o tamanho do cérebro e o número de integrantes do grupo. Ou seja, um grupo numeroso de macacos costuma ser formado por indivíduos com córtex mais volumoso.

É claro que Dunbar não resistiu à tentação de extrapolar essa descoberta para a própria espécie. Extrapolação essa que o levou a elaborar uma hipótese muito interessante: a de que a evolução do cérebro humano seria dependente do desenvolvimento de estruturas sociais. “Social Brain” é como a hipótese de Dunbar é conhecida. Mas qual seria a explicação para isso? Simples e, aparentemente, bem lógica. Quanto mais indivíduos num grupo, mais informações há para serem processadas. Num grupo numeroso há um grande volume de pensamentos, ideias, sentimentos, ações, etc., que precisam ser identificados, classificados e assimilados para que o convívio social possa se efetivar.

O aspecto curioso disso, segundo Dunbar, é que como haveria limite na capacidade de processamento cerebral, isso restringiria a quantidade de indivíduos com os quais conseguimos nos relacionar. Bom, pelo menos quando relacionar-se diz respeito ao número de pessoas que podemos considerar como sendo parte do nosso círculo social, e que seria em torno de 150 indivíduos! E mais, obviamente – ao contrário do que o Orkut e o Twitter fazem parecer – todos esses 150 integrantes do círculo social de uma pessoa não poderiam ser chamados exatamente de “amigos”.

Onde estão os amigos, então? Robin Dunbar elaborou uma forma de classificar os 150 sujeitos que formam um círculo social. Tal classificação é feita por um sistema de anéis concêntricos. No centro está você, ao seu redor vão se criando aneis (círculos) de dentro para fora, formados por pessoas com as quais você se relaciona. Quanto mais distante uma pessoa está do centro – de você – mais fraco é o vínculo entre vocês. O primeiro anel à sua volta é o das pessoas mais íntimas; o que vem depois é o dos conhecidos como colegas de trabalho, escola, etc.; no círculo seguinte encontram-se contatos mais superficiais como vizinhos que se vêm de vez em quando e assim sucessivamente até agrupar aproximadamente 150 pessoas em torno de você.

Estudos antropológicos oferecem algum suporte para a hipótese de Robin Dunbar. Agrupamentos humanos em torno de 150 pessoas podem ser encontrados em sociedades indígenas formadas por caçadores e coletores. Similarmente, na psicologia das organizações sabe-se que grupos de trabalho com mais de 150 indivíduos tendem a apresentar produtividade significativamente menor. O interessante é que, até que se atinja o número de 150 indivíduos num círculo social, há um aumento quase constante de pessoas de um anel para o outro: em torno de três vezes. Assim, o anel mais próximo de você tende a ser formado por 3 a 5 pessoas, o seguinte por 10 a 15, depois 30 a 45…

As 3/5 primeiras pessoas do anel mais próximo do centro seriam os nossos amigos de verdade! É claro que você pode considerar os outros 10/15 do próximo anel como seus amigos também, e até mesmo as outras 3 dezenas de pessoas do anel seguinte podem personificar a sua ideia de amizade! O fato é que dificilmente você conseguirá ter um alto nível de intimidade, confiança, cumplicidade e afinidade com 35 pessoas. O que pesquisadores como Robin Dunbar demonstram com seus estudos é que o modesto número de amigos do primeiro anel é o que abriga as pessoas com quem sentimos que podemos contar.

Esses amigos de verdade, com quem compartilhamos nossos valores e impressões mais íntimas, são os mesmos que aparecem nas pesquisas sobre bem-estar como fundamentais para nossa saúde física e mental. Estudos recentes sobre envelhecimento, bem-estar subjetivo, qualidade de vida, felicidade, etc., têm descoberto a importância da amizade em nossa vida. Em 2009 foram publicados os resultados de um estudo australiano, feito ao longo de 10 anos, que constatou que ter amigos aumentava a expectativa de vida. O benefício propiciado pela amizade foi maior do que o decorrente de contato com familiares. Em 2008, pesquisadores da Universidade Harvard constataram haver uma forte correlação entre laços sociais fortes e melhor saúde cerebral em pessoas idosas.

Por que o benefício psicológico do vínculo social é mais consistente quando envolve os amigos e não familiares? Pessoas da família não ofereceriam o mesmo tipo de apoio e suporte íntimo que os amigos oferecem? A princípio, não! O vínculo familiar, e o apoio e o suporte advindos deste, pode estar muito mais relacionado a uma obrigação sociocultural do que a uma real afinidade entre as pessoas. Na amizade nós escolhemos com quem queremos nos relacionar, e fazemos isso baseados apenas no que sentimos. Não se pode, contudo, garantir que os resultados obtidos nessas pesquisas seriam os mesmos em outra época. Do ponto de vista psicológico, hoje, na sociedade ocidental, há uma desestruturação dos laços familiares e, de certa forma, a família já não funciona mais como o referencial afetivo que foi em outras épocas. Para muitas pessoas em nosso tempo os amigos constituem as referências mais constantes de afeto e suporte social.

Um adendo: particularmente, não conheço nenhum estudo sobre a importância da amizade em sociedades onde a família ainda é o pilar da vida social e afetiva, como ocorre na Índia, por exemplo. Isso, sim, seria interessante!

O fato é que as pessoas do anel mais interno do círculo social, aquelas que estão mais próximas de nós, são as que fazem maior diferença para o nosso bem-estar. O contato regular com pessoas que nos valorizam, que respeitam nossa forma de pensar, sentir e agir e com as quais nos sentimos confortáveis para nos expressar, tem efeitos muito positivos sobre nossas emoções e pensamentos. Redução do stress, melhora da autoestima e do humor, diversão, acolhimento e compreensão são apenas alguns dos benefícios da amizade que melhoram a saúde física e mental e até prolongam a vida.

Resumindo: amizade que é amizade tem o suporte dos sentidos! Amigo de verdade tem olhos para ver, nariz para cheirar, mãos para tocar, ouvidos para ouvir… “Amigo virtual” pode até ser bom para “enganar” a solidão, pode mesmo até ajudar a expandir o círculo social, contribuindo com mais informações para o processamento cerebral… Mas amigo que é só virtual dificilmente poderá contribuir para que o cérebro libere muitos dos neurotransmissores que nos ajudam a nos sentirmos mais relaxados, alegres e felizes. Afinal, a ocitocina, um hormônio muito associado ao vínculo afetivo, tem no contato físico um dos seus principais gatilhos. Não é a toa que a ocitocina é carinhosamente chamada pelos cientistas de “hormônio do abraço“!

Outro adendo: 150, o Número de Dunbar, resume o número de indivíduos com os quais podemos estabelecer uma relação, em função de limitações na própria capacidade do cérebro humano de lidar com a complexidade do volume de informações a serem processadas no contexto das relações sociais. O uso consistente de novas tecnologias levou muita gente a acreditar que as novas formas de relacionamento virtual – por meio das redes sociais, por exemplo – possibilitaria a ruptura da barreira dos 150 e, assim, conseguiríamos gerenciar um número muito maior de contatos. Ledo engano! Uma pesquisa feita na rede social Facebook, pelo sociólogo Cameron Marlow, demonstrou que o usuário médio consegue estabelecer uma relação estável com no máximo 120 contatos dentro do site.






Psicóloga, Mestre e Doutoranda pela USP (SP). Especializada em Desenvolvimento de adultos, na experiência de Felicidade e nos estudos da Psicologia Social.