Sessão de psicoterapia: lugar para falar do presente ou do passado?

Por Marília Zampieri

Muitos de nós já passamos por situações em que estivemos no lugar da Mafalda ou, em outras vezes, no lugar do Manolito, na tirinha acima. Que tal pensarmos qual seria uma conduta terapêutica se algum dos dois relatasse este episódio durante uma sessão de psicoterapia?

Vamos começar pela Mafalda: ela poderia relatar em sessão que estava se despedindo do encontro na praia com o amigo e que demonstrou seu interesse em manter a amizade depois que as férias terminassem. Para tanto, ela pensou na possibilidade de incluir Manolito em seu círculo de amigos. Uma ótima ideia, que demonstra a iniciativa dela em prol da amizade. Certo? Para sua surpresa, recebeu uma punição que ela não conseguiu compreender: por que Manolito se alterou tanto e disse que ela é igual às outras? Impossível entender as pessoas…

Se Manolito fosse relatar este episódio na sessão de psicoterapia, ele iria relatar que algo terrível aconteceu, mais uma vez. Mafalda, de quem esperava uma atitude diferenciada, por causa dos dias agradáveis que passaram juntos na praia, comportou-se de forma que o decepcionou quando disse que iria apresentá-lo a seus outros amigos. Então existem outros? Serei apenas mais um amigo? Isso parece tão pouco…

A grande diferença de conduta para levar ambos a compreender o desentendimento e saná-lo seria analisar o episódio ocorrido, ou seja, o presente, ou acrescentar a esta reflexão a análise de eventos anteriores. Eis uma questão muito recorrente nos processos de psicoterapia, dúvida comum a muitos pacientes: por que falar do passado se o meu problema está no presente?

Para entendermos por que o comportamento da Mafalda foi tão insensível aos olhos de Manolito nós precisamos ter acesso a algumas informações que Mafalda não tem: o que já aconteceu com o garoto em suas outras experiências que o tornou tão crítico ou sensível com os comportamentos de suas amigas? Aqui entra a importância de analisarmos episódios de nossa história de vida que nos ajudem a compreender nossos comportamentos e sentimentos no presente.

Neste ponto, cabe um esclarecimento: os terapeutas não irão investigar aleatoriamente os eventos do passado, ou levar seus pacientes a remexer em todo o seu baú de emoções. A investigação é seletiva, direcionada: serão trazidos para análise aqueles episódios que tiverem relação com as nossas pautas atuais, de forma que eles componham as peças do quebra-cabeça que tentamos montar.

Episódios do passado têm muita importância, porque é a partir deles que as pessoas, os assuntos, os componentes do ambiente e todos os estímulos adquirem significado para nós (tecnicamente, os analistas do comportamento chamarão de função dos eventos e estímulos). Isso sim nós trazemos em nossa bagagem, de forma que o significado dos eventos passados influencia a maneira como nós iremos interpretar (sentir e reagir) aos eventos do presente.

Desta forma, ajudaríamos Manolito a desfazer seu equívoco: experiências anteriores insatisfatórias não condenam a amiga Mafalda a cair na mesma categoria de amigas. Vamos ajudá-lo a fazer uma discriminação (distinção) entre eventos já presenciados e esta situação do presente. Com sucesso na sessão, ele conseguiria atribuir uma outra função (significado) aos comportamentos da amiga, e entender que sua atitude foi positiva e favorável à amizade.

E Mafalda? Ela não tem acesso à história de vida do amigo para poder compreender tudo com esta clareza. Entretanto, ainda assim seria possível construir a mesma análise, de que Manolito não reagiu apenas ao momento quando ele disse o que disse. E podemos fazer mais: ajudá-la a não generalizar equivocadamente que este episódio sempre se repetiria se ela fosse amigável e disposta a enturmar seus amigos em situações futuras.

Ufa, desfeitos os mal entendidos, eventos do passado nos ajudaram no desfecho. E a amizade continua….

Espero vocês na próxima sessão!

TEXTO ORIGINAL DE COMPORTE-SE






Informações e dicas sobre Psicologia nos seus vários campos de atuação.