“Vamos conversar sobre sentimentos como discutimos futebol e política”

Por Isabela Moreira para a Revista Galileu

Quem cuida da mente cuida da vida: esse é o lema da campanha Janeiro Branco. Criada em 2014 pelo psicólogo mineiro Leonardo Abrahão, a iniciativa tem como objetivo incentivar as pessoas a refletirem sobre quem são e melhorarem suas relações, de forma a prevenir o adoecimento mental.

“Muito do sofrimento humano é fruto de um analfabetismo emocional das pessoas e do fato de não existir uma cultura da saúde mental”, explica Abrahão. Segundo ele, o mês de janeiro foi escolhido por representar o início do ano, e a cor branca pela ideia de “página em branco”

O psicólogo passou as últimas semanas viajando por todo Brasil divulgando a campanha em palestras, eventos e reuniões. Após uma palestra em Fortaleza, no Ceará, Abrahão conversou por telefone com a GALILEU a respeito da campanha e da importância da discussão sobre emoções e sentimentos.

“Se nós passarmos a cuidar de nós mesmos, cuidar dos sentimentos, estaremos criando uma cultura da saúde mental”, resume. Confira abaixo:

Como surgiu a ideia de criar a campanha?

Como professor e psicólogo, tive a percepção de que muito do sofrimento emocional poderia ser evitado dando acesso à orientação, no mínimo em relação ao conhecimento sobre saúde mental e emocional. Me indignou perceber que grande parte do sofrimento humano é fruto de um analfabetismo emocional das pessoas e do fato de não existir uma cultura da saúde mental. É um sofrimento que poderia ser combatido caso combatêssemos a desinformação.

O que seria essa cultura da saúde mental?

A cultura do cuidado com as emoções, pensamentos. Assim como no Brasil e no mundo, existem culturas estabelecidas: a cultura do carnaval, do futebol, das novelas, já temos uma cultura da saúde física, a importância de combater o sedentarismo. Mas não existe uma cultura de reflexão de respeito, da falta de sentido das nossas vidas.

Uma cultura do cuidado com as emoções e sentimentos, reflexões sobre as condições emocionais em que as pessoas estão vivendo. Estamos dentro de culturas múltiplas, a cultura do culto ao trabalho, da máximo eficiência, mas não temos a das reflexões. Se nós passarmos a cuidar de nós mesmos, cuidar dos sentimentos, estaremos criando uma cultura da saúde mental.

Como isso funcionaria na prática?

Seria uma cultura em que as pessoas seriam criadas e recebidas em escolas e empresas a partir de uma lógica dos cuidados com as emoções. Hoje, as pessoas são recebidas nos locais na lógica da curiosidade, da competição, não do acolhimento, dos cuidados, da sensibilidade. As pessoas não se tocam, não se abraçam. O afeto não faz parte da relação. É importante criar uma cultura em que as crianças nasçam em famílias afetuosas, em que empresas se preocupem com esse tipo de coisa, sempre a partir de uma lógica de cuidar dos sentimentos.

Para combater as violências, nas escolas, fundamentalismos que excluem as pessoas, violências no prédio, machismo, feminicídio, homofobia, precisamos de uma cultura de saúde mental. Por meio dela, teremos uma sociedade menos propensa a violência e efeitos colaterais negativos como depressão, ansiedade e suicídio.

Você usou uma palavra da qual eu gosto muito: acolhimento. Na sua opinião, qual é o significado dela?

Falamos em recepção positiva, afetuosa às pessoas. Precisamos ter uma humanidade em que o acolhimento seja ponto de partida para as pessoas. Teremos locais mais acolhedores, mídias, escolas, e até mesmo um trânsito mais acolhedor.

Como podemos falar no acolhimento dentro do trânsito? Levar em consideração que no outro carro também tem um ser humano que tem questões, subjetividade, história — pode ser uma grávida preocupada, um idoso que não ouve ou enxerga, um jovem, uma pessoa que acabou de aprender a dirigir e está insegura. Se levarmos isso em consideração, teremos uma sociedade mais saudável.

Um termo muito utilizado nas discussões sobre a saúde mental é a empatia. Como ela se aplica no dia a dia?

Precisamos resgatar conceitos fundamentais para a saúde mental. A empatia é a capacidade de estabelecer vínculos com outras pessoas e a alteridade a habilidade de se colocar no lugar delas. Psicoeducar é a forma que a Janeiro Branco espalha esses conceitos.

A campanha vai desde palestras em espaços públicos, hospitais, fila de caixa de lotérica, sala de espera de rodoviária, escolas, igrejas, centros, inúmeras entrevistas. Além disso, participamos de inúmeras reuniões com secretários de saúde e autoridades políticas para sensibilizá-las em relação a questões de saúde mental. Precisamos criar leis e recursos para que a saúde pública acolha a saúde mental.

Como as pessoas podem abordar esse tópico em conversas?

Ajude-nos a criar uma cultura de saúde mental criando células, ramificando a cultura em grupos de trabalho onde você está. Se você está numa empresa, crie espaços em que as pessoas possam falar sobre com sentimentos, acesso, emoções, conversem uns com os outros, entre amigos, professores e alunos, colegas, crie rodas de conversa, abra espaço para que as pessoas falem sobre o que sentem, desejam. Vamos conversar sobre emoções e sentimentos como discutimos futebol e política.

E qual é a melhor abordagem para lidar com alguém que está em um momento difícil?
Primeiramente, se aproximar, estar presente. Segundo, respeitar a dor alheia sem julgamentos, precipitação ou avaliação moral. Colocar-se no lugar do outro sem condenação moral, sem julgamentos do tipo “está sofrendo porque é fraco”, “porque não tem Deus no coração”.

É muito importante que as pessoas entendam que elas querem ser ouvidas. E orientar sem rotular. É importante não colocar lógicas alheias ao outro, o que funcionou para um pode não funcionar para o outro.

É importante lembrar que as pessoas estão em constante mudança?

Sim. Por isso falo de não julgar, é preciso entender que seres humanos são fluídos. Estamos vivendo em tempos de radicalização em vários sentidos, então temos que entender que seres humanos mudam e não possuem as mesmas prioridades dos outros. Precisamos respeitar os momentos e as formações as pessoas. Seres humanos são realidades múltiplas, ninguém é igual a ninguém.

Imagem de capa: Shutterstock/Roman Samborskyi






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