Viver plenamente é também sentir as dores das perdas

Por Rita Ribeiro

Contardo Calligaris, doutor em psicologia e psicanalista italiano radicado no Brasil, diz ter um conceito diferente do que seja felicidade, prefere falar em condições de bem-estar das pessoas. Para ele, ligamos felicidade à satisfação de desejos. E “nenhum desejo pode nos satisfazer plenamente”. Justifica dizendo-nos que o fato de se desejar muito um homem, uma mulher, um carro, um relógio, uma joia ou uma viagem não tem relevância nenhuma nessa busca.

No dia em que se tiver aquele homem, aquela mulher ou qualquer daqueles objetos de desejo, também se dará conta de que está na hora de desejar outra coisa. “Esse mecanismo sustenta ao mesmo tempo, um sistema mercadológico, o capitalismo moderno e o nosso desejo que não se esgota nunca.”

Neste sentido, está certo o terapeuta, quando nos diz que “a felicidade, em si, é uma preocupação desnecessária.” É preciso repensar como são feitas as nossas escolhas. Há no homem um desejo de viver uma aventura, no entanto, para o psicanalista, os sonhos estão pequenos. É que as escolhas feitas ao longo da vida geram insegurança e medo.

A noção de felicidade, hoje, é ter um emprego seguro, um bom salário, um futuro tranquilo, saúde e uma vida longa.

Diz ele que vivemos a “ideologia do preparo”, e explica, citando Dino Buzatti, um autor italiano que em seu romance “O Deserto dos Tártaros” conta a história de um militar que passa a vida num posto avançado, diante do deserto, na expectativa de defender o país contra a invasão dos tártaros, que nunca chegam.

A analogia mostra bem que as pessoas poderiam fazer da vida uma aventura, mas “a única coisa a que se autorizam é essa preparação”. Estaríamos, então, ensaiando em vez de sermos felizes verdadeiramente?

Podemos ser felizes, incluindo nesse sentimento os pequenos prazeres da vida, mas também as grandes dores. Viver plenamente significa poder se desesperar na falta de algo importante para nós; e é preciso sentir as dores das perdas, do luto, do fracasso.

O ideal de felicidade de hoje tenta nos poupar de tudo isso, o que não tem sentido. E por não fazermos a melhor opção para nossa vida, tememos nos arriscar, tememos nos aventurar. Por isso, ele mesmo nos diz: “Eu não quero ser feliz, quero ter uma vida interessante”.

Há um desejo de viver a vida como uma eterna aventura, mas sentimos a insegurança que nossa zona de conforto nos dá. E a escolha perfeita não existe, o que pode gerar frustração, pois sempre haverá algo que se imagina não ter alcançado.

Sobre isso, conta que, para Freud, o único objeto verdadeiramente insubstituível seria o perdido. Não aquele que tivemos e deixamos de tê-lo; mas aquele que nunca tivemos. Dessa forma, faz sentido nossa relação com o desejo, ou seja, imaginamos que exista algo, por aí, que nunca tivemos e que nos traria total satisfação. Só não sabemos o que é.

Então, busca-se aquilo que falta. E para nos livrarmos desse sentimento, “temos que tornar cada uma de nossas escolhas interessantes. E isso só é possível quando temos simpatia pela vida e pelos outros — o que parece básico, mas não é no mundo de hoje”, diz Contardo.

Além disso, existe no homem um eterno conflito, que é a sensação de que se está desperdiçando o tempo e a vida, porque se imagina que toda a aventura está acontecendo lá fora; e passando por ele, a cada instante, para nunca mais passar.

E viver assim não é uma boa opção, mas, em vez disso, permitir-se se perder. Perder-se no sentido de transformar a vida em uma eterna aventura, pois o que angustia é ver a falta de desejo de se fazer algo que se tem vontade, que se está a fim, mesmo que pareça muito distante do possível, dentro da vida que se leva.

Perde-se muito tempo pensando em como ser mais feliz e o que nos faz falta para isso. E, assim, esquece-se de deixar o nosso cotidiano mais interessante. E isso implica em ter mais curiosidade pelas coisas da vida e das pessoas; aventurar-se mais, arriscar-se mais; lamentar-se menos; e não se proteger demais das inevitáveis tristezas. E se possível, sem medo e sem culpa.

Imagem de capa: Shutterstock/Elizaveta Lavrik

TEXTO ORIGINAL DE OBVIOUS






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