Você pode não encontrar seu verdadeiro “eu”

Você pode nunca encontrar o seu verdadeiro “eu”, por um simples motivo: o verdadeiro “eu” que você procura, talvez, não exista. Essa afirmação, possivelmente, ainda causa polêmica no senso comum, porém, nos termos aos quais me refiro, já é um consenso entre os neurocientistas. De início, é necessário explicar ao que me refiro como verdadeiro “eu” e depois, no que me embaso para afirmar que ele não existe.

Steven Pinker, psicólogo canadense, professor em Harvard, chama esta teoria fantasiosa de “Fantasma na Máquina”. Em sua definição, “um nós (eu) sem amarras que pode escolher livremente”. Assim esse verdadeiro “eu”, tão usado no senso comum, ao qual me refiro, seria um “eu” essencial, transcendental, separado da influência do mundo, a ser descoberto e, após essa descoberta, saberemos nossa verdadeira essência, nossas verdadeiras motivações, sentimentos, desejos e, até, missão a ser realizada para o resto da vida. Como coloca o sociólogo americano Erving Goffmann: as pessoas creem que, se retirarem as máscaras sociais, encontrarão o “eu autêntico”, mas não, o que existem são somente máscaras.

Por que tal está concepção de “eu” não está correta de acordo com a neurociência? Primeiro, já é consenso, na neurociência, que no cérebro não existe nenhum centro controlador (que poderia ser considerado o fantasma na máquina). O cérebro trabalha com mecanismo de feedback, diferentes regiões do cérebro são responsáveis por diferentes funções. Por exemplo, a amígdala cerebral é responsável pela percepção do medo, e o indivíduo que tem alteração na amígdala cerebral apresenta alteração na sua percepção de medo. Então, essas diferentes regiões mandam informações entre si para formar a experiência da mente e do “eu”.

Antônio Damásio, neurocientista português, explica que o senso de eu é produzido pelas atividades físico-químicas do cérebro que formam nossa percepção total do nosso estado corporal e do meio externo, ou seja, nossos sentimentos, emoções, pensamentos, percepções, etc. Ou seja, O senso do “eu” é produzido ao mesmo tempo que os nossos sentimentos e emoções. Assim, a experiência do “eu” nada mais é do que o conjunto de informações recebidas, uma alteração, em uma dessas regiões, altera a experiência do eu. Explicando melhor, se estou com medo, sou um “eu”, se estou sem medo, sou outro “eu”. Não existe um “eu” que sente medo, e, sim, uma experiência de “eu” com medo.

O segundo ponto, que confronta a experiência do eu essencial/estático, é a neuroplasticidade. As experiências que vivemos são capazes de alterar a composição neuronal do cérebro. Logo, uma pessoa está sempre mudando por conta das experiências no mundo em que vive e, logo, a maneira com que experienciamos o mundo está sempre em mudança. É importante enfatizar que a neuroplasticidade apresenta limitações, por isso ocorre uma relativa continuidade no padrão de resposta a experiências

Isso não significa que nossas experiências são ilusões. Nossas experiências e sentimentos são reais, mas antes de ser um “eu” que sinto, sou sentimento formando um “eu”, ou seja, descobrir nosso verdadeiro “eu” pode ser corretamente referido a descobrir ou destrinchar nossos sentimentos e percepções. Essa troca, no sentido do eu, pode parecer pequena, porém essa pequena troca muda nossa responsabilidade com nós mesmos. A nossa responsabilidade passa a ser menos descobrir nosso eu e mais criar nosso eu, nossa resposta ao mundo, com o qual estamos ligados, em certa medida.