Todo mundo conhece a estória de Cinderela. Cinderela era filha de um comerciante rico. Depois que seu pai morreu, sua madrasta tomou conta da casa que era de Cinderela. Cinderela então, passou a viver com sua madrasta malvada, junto de suas duas filhas que tinham inveja da beleza de Cinderela e transformaram-na em uma serviçal. Ela tinha de fazer todos os serviços domésticos e ainda era alvo de deboches e malvadezas. Seu refúgio era o quarto no sótão da sua própria casa, e seus únicos amigos eram os animais da floresta.

Um belo dia, é anunciado que o Rei realizará um baile para que o príncipe escolha sua esposa dentre todas as moças do reino.  No convite, distribuído a todos os cidadãos, havia o aviso de que todas as moças deveriam comparecer ao Baile promovido pelo Rei. Cinderela não pode ir e, depois de muita magia e fada-madrinha, ela consegue ir, é salva pelo Príncipe e se livra da madrasta malvada e suas duas filhas.

Colette Dowling, psicóloga americana, a exemplo de muitas mulheres, foi levada a acreditar que sempre haveria alguém mais forte para protegê-la. Mas, com o fim de seu casamento, ela se deparou com uma nova realidade: agora precisava assumir suas responsabilidades sozinhas e cuidar de si mesma.

No complexo de Cinderela identificado pela autora, muitas mulheres  se reconhecem “cinderelas” ao rejeitar, inconscientemente, suas responsabilidades e ao pensar que a solução de todos os problemas depende de encontrar o seu “príncipe encantado”. A autora identificou na mulher um conjunto de comportamentos e medos reprimidos, cujo resultado é o bloqueio do uso da criatividade e da potencialidade da mente. Surge então uma dependência psicológica que a mulher vivencia, juntamente com o desejo de ser cuidada por alguém.

Este livro foi escrito nos anos 80 e, ao lê-lo, me deparei com a seguinte pergunta: nós, mulheres do século XXI, realmente nos livramos desta condição de sermos salvas pelo príncipe para sermos felizes?

Sim, progredimos muito.  As conquistas são inúmeras. Podemos votar, fomos para o mercado de trabalho, desafiamos os homens, nos mostramos competentes. Bem mais competentes em várias áreas. Podemos ser o que quisermos. O príncipe encantando parece longe e totalmente desnecessário. Somos mães, filhas, esposas, donas de casa e trabalhamos. Ufa!

Mas nos livramos de fato do desejo de salvação? Ou ainda esperamos, como Cinderela, que algo externo venha transformar as nossas vidas? Estamos de fato independentes do príncipe ou esperamos o seu resgate para sermos felizes? Precisamos do outro para ser felizes?

É comum na prática clínica encontrar mulheres independentes profissionalmente, bonitas, decididas. São boas mães, boas filhas e excelentes profissionais. Mas quando se trata de relacionamentos, parecem de forma inconsciente retomar o Complexo de Cinderela. Como se elas precisassem de alguém para ser salvas de si mesmas. Como se não pudessem ser felizes sem um namorado, um marido.  Como se a felicidade estivesse condicionada a um relacionamento.

“No momento é o que tem”. “Se eu não tiver um namorado, não serei feliz”. “Não posso abrir mão do meu casamento, é tudo o que eu tenho”. Estas frases foram ditas por mulheres com uma inteligência fora do comum. São bem sucedidas e referências em seu trabalho. Ocupam postos de liderança. Mas emocionalmente são vítimas de um desejo inconsciente e forte de serem salvas.  Mulheres se submetem por falta de opção ou por não se sentirem capazes de arrumar alguém.

Tornamo-nos independentes no trabalho, nos estudos, mas temos medo de assumir esta independência nos relacionamentos. Com isto, nos submetemos a todo e qualquer relacionamento.  Relacionamentos muito aquém do que merecemos, e muitas vezes até abusivos. Parece que nos livramos do Complexo de Cinderela, mas não nos livramos de uma pseudo-necessidade do outro, como se precisássemos do outro para estar completos. Não sofremos mais da necessidade de sermos salvas pelo príncipe encarando, mas passamos a sofrer da síndrome da metade da laranja.

Chamo síndrome da metade da laranja esta necessidade de sermos completas apenas se tivermos alguém em nossas vidas. Saímos dos contos de fadas e caímos em uma melodia de uma música pop. Esperamos o outro nos completar e continuamos sem assumir a responsabilidade de sermos completas por nós mesmos.  Esperamos desesperadamente que alguém complete este vazio emocional que achamos que temos. Não nos achamos competentes o suficiente sozinhas e buscamos no parceiro o complemento de um vazio que é só nosso. E portanto, só nós podemos preencher.

Debora Mendes de Oliveira

CRP: 06/123470. Psicóloga clínica (UNIP 2014), com ênfase psicanalítica, com experiência em atendimento voltado para abuso sexual, transtornos psiquiátricos tais como depressão e ansiedade, compulsão por internet e compulsão alimentar. Nas horas vagas é escritora por diversão.

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Debora Mendes de Oliveira

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