A vantagem de contar a nossa vida; uma entrevista com Contardo Galligaris.

1. Há uma demonização do indivíduo hoje em dia?
Completamente!! E por conta de um equívoco. Pra mim, individualismo é uma palavra nobre. Louis Dumont é um dos meus mentores intelectuais. Acho que ele é um colosso da antropologia do século 20. O individualismo não tem nada a ver com o egoísmo, mas com uma sociedade em que o indivíduo é um valor superior à comunidade. Pois bem: nós dois compartilhamos da idéia de que a tendência antiindividualista é muito presente na parte menos interessante do Iluminismo francês, especificamente em Rosseau. O conceito da vontade geral é verdadeiramente uma das raízes ideológicas do que aconteceu de pior no século 20.

2. Em psicanálise, é possível falar em cura?

É possível, sim, num sentindo mais genérico. A psicanálise influenciou quase todas as psicoterapias da palavra, pelo menos que se ocupam da dinâmica interna do sujeito. Elas são feitas para que alguém viva melhor.; Freud dizia que a psicanálise só pode levar o sujeito até a beira do rio. A ação é com ele.
3. Quando alguém chega com um sofrimento ao divã, é legítimo pensar que ele também é uma fonte de prazer?
Esse pensamento é perfeitamente correto do ponto de vista inclusive da teoria freudiana. Infelizmente, é usado de uma maneira um pouco ilegítima. É como se o sujeito fosse culpado por seus próprios males: “Ah, mas você gosta disso; você está querendo!!” [risos]. É um gostar pelo qual ele não pode propriamente ser culpado. É um gostar que tem a ver com os “hábitos do corpo e da mente”, como dizia Tocqueville. Mas existem hábitos singulares, dos quais é difícil sair, porque correspondem a uma série de necessidades. De alguns, é mesmo impossível.
4. Existem sintomas que não podem ser retirados?
Sim, porque são indispensáveis ao próprio sujeito. E, de fato, Lacan dizia que há sintomas que são desnecessários, que podem ser abolidos, mas, uma vez reduzidos ao osso, o que a gente pode conseguir de melhor é levar o sujeito a fazer do seu sintoma algo interessante.

 

5. O que o paciente quer? Uma narrativa coerente sobre a própria vida?

Uma grande parte do privilégio que a psicanálise nos permite é contar a nossa vida. É uma experiência maravilhosa. A gente não se dá conta de quanto ela é rara. Contá-la e também recontá-la, porque contá-la é transformá-la. Contando e recontando a vida, a gente também altera o que nos determina.
* Publicada na íntegra na revista Primeira Leitura – maio de 2006.
* Contardo Galligaris é psicanalista
Texto original do site de Lisandro Nogueira
De Julie Nord

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