Vira e mexe, em um processo terapêutico, acontece de o psicólogo ser ajudado por um paciente. Calma! Me explico melhor.

Algumas pessoas pensam que somos uma espécie mutante de ser humano e que não temos problemas. É claro que temos! O carro quebra. Brigamos com os filhos. Choramos uma perda. E pasmem vocês, ficamos deprimidos.  Não estamos imunes às mazelas da humanidade e tampouco das forras  psíquicas. Somos seres humanos.

Outro dia, em consultório, fui confrontada por uma paciente. Sua resistência à terapia era tão grande, porque, em sua fantasia, eu não tinha problemas e nem ao menos sabia o que era estar deprimido. “Você só conhece isto dos livros, não sabe o que é não querer acordar e nem ter vontade de tomar banho.” Fiquei com aquela frase na cabeça durante um tempo, e seu processo continuou, bem como sua resistência. Um belo dia, percebi que ela me via como alguém anormal, sem problemas.

Durante outra sessão, em que a paciente tocou novamente no assunto depressão e na minha “imunidade” emocional, falei que realmente não conseguia sentir a imensidão da sua dor, pois aquela era a sua dor, com toda a sua singularidade e complexidade. No entanto, eu, assim como ela, já tinha passado por depressão. Seus olhos brilharam! O véu foi rasgado. Ela se desiludiu com meus pseudossuper-poderes e passou a me ver como ser humano, como uma psicóloga que estava ali não só para ajudá-la, mas como alguém que também tinha passado por algo doloroso. Nem preciso dizer que ela entrou em processo e hoje não está em depressão. Tampouco sou a mulher maravilha para ela. Saí do status de santa e entrei para o hall da humanidade.

Sabemos que esta fantasia permeia o imaginário de vários pacientes, mas o inverso também acontece com o psicólogo. E é aí que entra a tal da ajuda dos pacientes. Eles servem para nos colocar no nosso devido lugar. Não somos deuses ou temos qualquer tipo de privilégio com relação à dor. Também sofremos. O psicólogo que se coloca na posição de uma pessoa detentora do saber soberano diante de um paciente está fadado ao fracasso, tanto profissional quanto pessoal.

Precisamos sempre nos lembrar que estamos diante de uma outra vida, e nosso dever é ajudá-la a achar o caminho, mas o seu caminho, as suas respostas. Nós não fazemos os caminhos e tampouco as respostas. Estamos ali apenas para ajudar a sinalizar, a orientar e, mais do que isto, a dar àquela pessoa o poder de assumir e ser dono da sua vida. Não estamos ali para “criar” pacientes dependentes, pelo contrário, estamos ali para ajudar os pacientes a saírem da sua dependência (que é normal no começo de qualquer terapia), rumo à sua independência emocional. Se você está buscando qualquer coisa diferente disso como psicólogo, você está na profissão errada. Somos companheiros nesta viagem e nesta estrada.. A única vantagem que temos é que sabemos “ler as placas”!

Debora Mendes de Oliveira

CRP: 06/123470. Psicóloga clínica (UNIP 2014), com ênfase psicanalítica, com experiência em atendimento voltado para abuso sexual, transtornos psiquiátricos tais como depressão e ansiedade, compulsão por internet e compulsão alimentar. Nas horas vagas é escritora por diversão.

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