COMPORTAMENTO

Diploma não é solução, por Rubem Alves

Por Rubem Alves em seu site

Vou confessar um pecado: às vezes, faço maldades. Mas não faço por mal. Faço o que faziam os mestres zen com seus “koans”.  “Koans” eram rasteiras que os mestres passavam no pensamento dos discípulos. Eles sabiam que só se aprende o novo quando as certezas velhas caem. E acontece que eu gosto de passar rasteiras em certezas de jovens e de velhos…

Pois o que eu faço é o seguinte. Lá estão os jovens nos semáforos,de cabeças raspadas e caras pintadas, na maior alegria, celebrando o fato de haverem passado no vestibular.Estão pedindo dinheiro para a festa!

Eu paro o carro, abro a janela e na maior seriedade digo: “Não vou dar dinheiro. Mas vou dar um conselho. Sou professor emérito da Unicamp. O conselho é este: salvem-se enquanto é tempo!”. Aí o sinal fica verde e eu continuo. “Mas que desmancha-prazeres você é!”,vocês me dirão.

É verdade. Desmancha-prazeres. Prazeres inocentes baseados no engano. Porque aquela alegria toda se deve precisamente a isto: eles estão enganados. Estão alegres porque acreditam que a universidade é a chave do mundo. Acabaram de chegar ao último patamar.

As celebrações têm o mesmo sentido que os eventos iniciáticos –nas culturas ditas primitivas, as provas a que têm de se submeter os jovens que passaram pela puberdade.Passadas as provas e os seus sofrimentos, os jovens deixaram de ser crianças.

Agora são adultos,com todos os seus direitos e deveres. Podem assentar-se na roda dos homens. Assim como os nossos jovens agora podem dizer:“Deixei o cursinho. Estou na universidade”. Houve um tempo em que as celebrações eram justas. Isso foi há muito tempo, quando eu era jovem.

Naqueles tempos, um diploma universitário era garantia de trabalho. Os pais se davam como prontos para morrer quando uma destas coisas acontecia: 1) a filha se casava. Isso garantia o seu sustento pelo resto da vida; 2) a filha tirava o diploma de normalista. Isso garantiria o seu sustento caso não casasse; 3) o filho entrava para o Banco do Brasil; 4) o filho tirava diploma.

O diploma era mais que garantia de emprego. Era um atestado de nobreza. Quem tirava diploma não precisava trabalhar com as mãos,como os mecânicos,pedreiros e carpinteiros,que tinham mãos rudes e sujas. Para provar para todo mundo que não trabalhavam com as mãos, os diplomados tratavam de pôr no dedo um anel com pedra colorida.

Havia pedras para todas as profissões:médicos,advogados,músicos, engenheiros.Até os bispos tinham suas pedras. (Ah! Ia me esquecendo: os pais também se davam como prontos para morrer quando o filho entrava para o seminário para ser padre –aos 45 anos seria bispo– ou para o exército para ser oficial –aos 45 anos seria general.)

Essa ilusão continua a morar na cabeça dos pais e é introduzida na cabeça dos filhos desde pequenos. Profissão honrosa é profissão que tem diploma universitário. Profissão rendosa é a que tem diploma universitário. Cria-se, então, a fantasia de que as únicas opções de profissão são aquelas oferecidas pelas universidades.

Quando se pergunta a um jovem “O que é que você vai fazer?”, o sentido dessa pergunta é “Quando você for preencher os formulários do vestibular, qual das opções oferecidas você vai escolher?”. E as opções não oferecidas? Haverá alternativas de trabalho que não se encontram nos formulários de vestibular?

Como todos os pais querem que seus filhos entrem na universidade e (quase) todos os jovens querem entrar na universidade,configurase um mercado imenso,mas imenso mesmo,de pessoas desejosas de diplomas e prontas a pagar o preço. Enquanto houver jovens que não passam nos vestibulares das universidades do Estado, haverá mercado para a criação de universidades particulares.

É um bom negócio. Alegria na entrada. Tristeza ao sair. Forma-se, então, a multidão de jovens com diploma na mão, mas que não conseguem arranjar emprego. Por uma razão aritmética: o número de diplomados é muitas vezes maior que o número de empregos.

Já sugeri que os jovens que entram na universidade deveriam aprender, junto com o curso “nobre” que freqüentam, um ofício: marceneiro, mecânico, cozinheiro, jardineiro, técnico de computador,eletricista,encanador,descupinizador,motorista de trator…O rol de ofícios possíveis é imenso.

Pena que,nas escolas,as crianças e os jovens não sejam informados sobre essas alternativas, por vezes mais felizes e mais rendosas. Tive um amigo professor que foi guindado,contra a sua vontade,à posição de reitor de um grande colégio americano no interior de Minas. Ele odiava essa posição porque era obrigado a fazer discursos. E ele tremia de medo de fazer discursos.

Um dia ele desapareceu sem explicações.Voltou com a família para o seu país, os Estados Unidos. Tempos depois, encontrei um amigo comum e perguntei: “Como vai o Fulano?”. Respondeu-me: “Felicíssimo. É motorista de um caminhão gigantesco que cruza o país!”.

REDAÇÃO PSICOLOGIAS DO BRASIL

Os assuntos mais importantes da área- e que estão em destaque no mundo- são a base do conteúdo desenvolvido especialmente para nossos leitores.

Recent Posts

Mercado iGaming brasileiro é destaque no quesito investimento

O mercado de iGaming no Brasil cresce em uma velocidade surpreendente no seu primeiro ano…

1 dia ago

O que realmente acontece quando um passageiro morre durante um cruzeiro internacional no mar

Navios de cruzeiro funcionam como pequenas cidades: têm equipe médica, procedimentos claros e uma logística…

2 dias ago

Relação com 16 anos de diferença marca novo e polêmico filme de Anne Hathaway no streaming – veja o trailer

Em vez de apostar no clichê do “amor perfeito”, Uma Ideia de Você coloca no…

2 dias ago

Por que as baleias azuis estão ficando em silêncio e o que isso tem a ver com o futuro da humanidade

Quando o maior animal do planeta passa a cantar menos, algo saiu do eixo. Microfones…

2 dias ago

Você não vai acreditar por quanto as ‘canetas emagrecedoras’ agora estão sendo vendidas no Brasil

As chamadas “canetas emagrecedoras” acabam de ganhar uma versão 100% produzida no Brasil e já…

3 dias ago

O caso real tão chocante que virou um dos filmes mais perturbadores da Netflix

Entre as produções inspiradas em crimes reais, poucas conseguem ser tão perturbadoras quanto “3096 Dias…

3 dias ago