Pessoas que “criam uma realidade ilusória” se sentem mais felizes? O ciúme é alimentado pela ilusão de que é possível controlar a vida da pessoa amada? Criar a ilusão de que “não tem nada de errado com meu filho” impede que o tratamento necessário seja buscado? Criar a ilusão de que “com amor eu poderei mudá-lo” faz com a pessoa mantenha um relacionamento complicado? A ilusão de que a pessoa amada voltará diminui a dor do abandono? As músicas Ilusão à toa, de Jonhnny Alf e Modinha de Tom e Vinicius, entre outras, abordam esse tema, escolhido por um grupo de amigos para trocar ideias.

Nossos pensamentos estão entrelaçados com os sentimentos. A capacidade de “criar realidades” com riqueza de detalhes nos faz acreditar nelas como se verdade fossem. Essa é a base do autoengano. No jogo “Second life”, criávamos um avatar do jeito que gostaríamos de ser. Para muitas pessoas que se viciaram nesse jogo, a segunda vida ilusória era muito mais fascinante do que a real.

Para aliviar a angústia da incerteza e da imprevisibilidade da vida, cria-se a ilusão de que é possível prever ou controlar o futuro. Muitas pessoas recorrem a videntes ou a trabalhos de magia que prometem “trazer a pessoa amada em três dias”.

A ilusão de que é possível controlar a vida da pessoa amada fortalece o ciúme que estimula ações de vigilância sobre as mensagens do celular ou das redes sociais e a exigência de revelar senhas de acesso como “prova de amor”. Da conversa entre duas funcionárias de um hotel em que eu estava hospedada ouvi: “Namorado meu não sai sozinho todo bonitinho. Só comigo”!

Nem sempre a ilusão tem o poder de nos encher de esperança. No filme “O estado das coisas” o personagem de Ben Stiller trabalha em uma ONG e se sente infeliz imaginando a vida bem-sucedida de antigos colegas de faculdade em posições de poder, fama e riqueza. Até que o encontro pessoal com um deles, após muitos anos, revela os problemas que enfrentam. Só assim consegue valorizar sua própria vida.

No livro “Sapiens”, o historiador israelense Yuval Harari mostra o poder da imaginação coletiva e da capacidade de comunicação para criar ilusões nas quais bilhões de pessoas acreditam. Cita como exemplos desses mitos as religiões, o dinheiro e os impérios, que perdem a força quando a crença coletiva se desfaz.

“The century of the self” é um longo documentário sobre as origens do consumismo por meio da manipulação dos desejos pela propaganda. Partindo das teorias de Freud sobre desejos inconscientes, seu sobrinho Edward Bernays aplicou esses conhecimentos para a propaganda, que faz com que as pessoas desejem o que não necessitam.

Uma das primeiras experiências de Bernays foi uma campanha, nas primeiras décadas do século XX, para persuadir mulheres a fumar. O cigarro como símbolo de desafio ao poderio masculino, significando vanguarda, liberdade, autonomia, poder, independência. A mídia foi acionada, as primeiras feministas e sufragistas americanas apareciam fumando. Em pouco tempo, o índice de mulheres fumantes aumentou expressivamente. Posteriormente, as experiências com a venda de automóveis, roupas e muitos outros produtos foram pelo mesmo caminho de mexer com a emoção, treinando as pessoas para desejar, confundindo o querer com o precisar.

A irracionalidade é a principal característica da mente coletiva. E a propaganda passa a manipular isso para atingir seus objetivos, transformando cidadãos em consumidores. Aí estão as raízes do consumismo, as máquinas da felicidade.

E nem percebemos como somos manipulados por esse poder da ilusão coletiva.

Imagem de capa: Shutterstock/Dmytro Buianskyi

Maria Tereza Maldonado

É Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-RIO, onde lecionou no Departamento de Psicologia. É membro da ABRATEF (Associação Brasileira de Terapia Familiar). Tem mais de 40 livros publicados sobre relações familiares, desenvolvimento pessoal e construção da paz, com mais de um milhão de exemplares vendidos.

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