Te recebo, certa de não saber a dimensão de suas dores, aprendi que a vida é esse lugar onde cultivamos flores das mesmas espécies, mas que brotam de maneiras diferentes, únicas e impares nos quintais da alma. Você chega com medo, mas sinalizando uma coragem que talvez nem você mesma perceba ou compreenda, se atreve a conversar com sua dor.

Senta, chora, se desespera, me fala de vazios que doem, espaços que sobram no quarto, cadeira esquecida, poltrona chorosa, xícaras e talheres que repousam esperando mãos. Conta da vida esquecida pela casa nos sapatos, roupas, perfumes, nessas miudezas que nos dizem quem somos.

Você fala de medos, seu coração parece mudar de lugar, a cabeça flutua fora do corpo, perdeu o paladar, brigou com o sono. Sente medo, ouve vozes e passos, espera chegadas que não acontecem, se confunde sobre as despedidas, momentos em que não sabe mais o que é real. Sente medo da desorganização que os desencontros trazem.

Dentro do seu pesadelo abro espaço pra sua dor, como se entregasse folhas onde você pudesse escrever suas histórias de hoje e de ontem, abro espaço para o amanhã que não aconteceu, te ajudo a mudar de sonhos, dou legendas para o que você não nomeia, vagarosas, sem pressa, permissões para encontrar o tempo da sua própria dor.

Você me diz que o mundo lá fora tem pressa, pede que você acelere e acalme sua saudade. Eu te conto que o mundo lá fora, às vezes, tem ruas estreitas pra dor. Caminhamos, descobrindo que o tempo é um senhor que não usa as mesmas roupas em todas as despedidas, caminhamos acreditando que essa perda é sua e somente você sabe das coisas das quais se despediu.

Caminhamos, assim, vagarosamente, como se fossemos donas dos relógios do mundo. Passearemos por ruas onde residem memórias da sua saudade, vasculharemos quartos e prateleiras da sua vida. Não, você não será mais a mesma, mas após tantos mergulhos descobrirá lugares pra sua saudade. Levantará, esticará os lençóis da cama, fará um café, sentará na varanda e, sorrindo, lembrará de um amor que partiu. Despertará arrumando um outro jeito de amar, negar esse amor e essa história seria outra morte

Teresa Gouvea

Psicóloga Clinica Especialista em Família pela PUC SP, especialista em Luto pelo 4 Estações Instituto de Psicologia SP.

Share
Published by
Teresa Gouvea

Recent Posts

Pesquisa revela como identificar propagandas de cassino enganosas

Descubra como os grupos de Telegram utilizam jogos de cassinos para golpes e a importância…

21 horas ago

9 hábitos que pessoas felizes após os 60 anos deixam para trás – e que você deveria adotar enquanto é jovem!

Envelhecer bem não tem a ver com caçar rugas no espelho, e sim com fazer…

2 dias ago

Qual é a idade do seu coração? Faça o teste criado por especialistas em apenas 3 minutos

Você se lembra da última vez que alguém perguntou sua idade e você respondeu sem…

2 dias ago

Condenada ao pelotão de fuzilamento, mulher faz pedido final que choca até os carcereiros

Numa cela abafada de Kerobokan, a britânica Lindsay Sandiford passou os últimos 12 anos contando…

2 dias ago

Demorou dois anos pra estrear — e bastou uma semana na Netflix pra virar sensação nacional

Com roteiro baseado em um sucesso do Wattpad e fãs esperando há tempos, Através da…

1 semana ago

Essa produção da Netflix tem menos de 90 minutos — e vai bagunçar sua cabeça por dias

Charlie Kaufman não faz filmes para assistir no piloto‑automático. Em Estou Pensando em Acabar com Tudo…

1 semana ago