Nas redes sociais, uma frase do Padre Fábio de Melo tem chamado a atenção  pelo número de pessoas compartilhando a frase que diz “na vida, a gente só sabe que ama alguém, a gente só tem o direito de dizer a alguém que a amamos depois de ter dito infinitas vezes a esse mesmo alguém a frase: eu perdoo você”. Vamos falar aqui do perdão, um tema que antes era do campo da religião, mas que vem ganhando espaço no campo da filosofia e da psicologia, apesar de ainda haverem poucos estudos publicados sobre o tema.

Para tanto, viemos falar aqui do perdão com efeito terapêutico. Sim! O PERDÃO é, antes de mais nada, terapêutico. Mas se o perdão tem efeito terapêutico, ou seja, de cura, por que, por vezes, é tão difícil perdoar? Porque para muito de nós a ideia de perdão está relacionada à condescendência a um ato de injustiça, o que está longe de ser uma grande verdade. Perdoar não significa concordar, mas sim compreender que guardar rancor sobre o ocorrido não resolverá o problema e ao perdoar você se livrará dos sentimentos de raiva e mágoa sobre a situação vivida. Para Jampolsky, perdoar significa deixar ir o passado.

Sem sombra de dúvidas, é terapêutico para ambas as partes – o perdoador e o perdoado – mas os efeitos de cura são ainda maiores para quem é capaz de perdoar, principalmente de AUTOPERDOAR. Entretanto, o “se perdoar” nunca foi tarefa fácil. Se perdoar é ainda mais difícil que perdoar ao outro. Se eu te pedisse para fechar os olhos agora e imaginar três listas mentais: de quantas vezes você pediu perdão a alguém¹, de quantas vezes você perdoou alguém² e de quantas vezes você se perdoou³ – certamente as duas primeiras listas teriam mais situações que a última e, talvez, ainda viria a sua mente, inúmeras situações das quais você ainda não conseguiu se perdoar.

Podemos supor ainda que, nestas situações as quais você não conseguiu se perdoar, possivelmente, houveram perdas e o sentimento de culpa. Se houve perda a sensação é de que o fato é irreparável, sendo assim, não cabe o autoperdão. Se essa perda é de uma pessoa, aí as coisas complicam mais. Afinal, se você perdeu a outra pessoa, automaticamente você acredita que ela não te perdoou. O que não é sempre verdade. Pois perdoar não significa esquecer, tão pouco, aceitar que tudo volte a ser como antes. Para Derrida, perdoar não é homólogo a se reconciliar nem pode haver nenhuma simetria no processo de perdão e; para Arendt, perdoar é se desobrigar de permanecer numa determinada posição sem que isso signifique esquecimento.

O problema da culpa é que ela não te livra daquele famoso “e se” que ronda sua cabeça e não te deixa dormir, é o mesmo que não te deixa esquecer e, também, o mesmo que não te deixa se perdoar. Junto a isso, ainda existe o desejo de posse sobre o outro, por isso, é inconcebível pensar em perdê-lo. Sendo assim, você sabe que errou e de alguma forma você acredita que precisa dar um jeito de consertar.

Sabe por que muitas pessoas fazem isso? Porque a culpa que deveria existir como um processo saudável de reparação e crescimento, torna-se patológico na vida da maioria das pessoas devido as suas culpas e vivências infantis mal elaboradas, as quais as levaram a desenvolverem superegos extremamente rígidos. Busca-se a aprovação do outro como se buscava nos pais lá da infância e, desta forma, igualmente espera o perdão “incondicional” do outro, como assim esperava-se por parte dos pais infantis. Incondicional entre aspas, pois, de certo que haviam condições para o perdão na infância, entretanto, nunca houve a perda do perdoador, o que denota o perdão ligado à permanência do perdoador na vida do perdoado.

De forma inconsciente, é bem provável que, como forma de reparação, exista uma compulsão a repetição do erro, para que assim, numa próxima oportunidade, possa-se consertar o que não se conseguiu no passado, numa tentativa frustrada de se livrar da culpa. Sendo assim o não perdoar leva-nos ao adoecimento psicológico e, por vezes, físico. Afinal, somos seres psicossomáticos e precisamos de alguma forma extravasar nossas angustias, seja por meio das palavras ou das somatizações.

Desta forma, a capacidade de perdoar torna-se um meio de cura. Apesar disso, perdoar é um processo que requer muito de nós, pois é necessário mexer em feridas profundas, enfrentar muito de nós mesmos, desconstruir fantasias de super poderes e desfazer-se de culpas que não nos cabem mais. O perdão envolve-nos na esfera do nosso mundo interno e normalmente é um processo gradual, lento, doloroso e angustiante. Leva-nos a sentimentos de raiva, culpa, medo e frustração, mas também de reparação, reconstrução e fé.

Aurea Maria Montanholli

Formada em psicologia tenho uma paixão enorme pela área da saúde, em especial, o trabalho com mães e filhos. Mas confesso que todo trabalho de transformação do ser humano me brilha aos olhos. Até por isso, costumo brincar que não escolhi a psicologia, ela me escolheu. Atualmente trabalho na clínica, mas já estive por 11 anos dentro de empresas na área de RH e Gestão de Pessoas. Escrevo como hobby e forma de expressar meus próprios sentimentos, pois quem sabe minhas ideias não encontre tantas outras ideias perdidas por aí.

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