Por Sirley Bittu

Na maioria das vezes, a simples perspectiva de gerar um filho já enche os futuros pais de alegria e amor. Esses pais passam a cultivar a idéia de serem os provedores e guardiões deste pequeno ser. Para aqueles que decidem investir nesta empreitada, é difícil imaginar alguém que não pense logo em cobrir o futuro herdeiro de agrados e de mimos, tentando satisfazer todas as suas vontades. Muitas vezes trata-se do primeiro filho que foi muito esperado e desejado, ou o primeiro menino, ou a primeira menina, ou mesmo aquele filho varão vindo inesperadamente tirar a família de certo acomodamento já existente. De qualquer forma o comportamento mais comum é tentar oferecer ao pequeno tudo aquilo que estiver ao seu alcance (e algumas vezes até o que não está), para vê-lo feliz.

Toda vez que iniciamos o desenvolvimento de um novo papel social, nos remetemos a nossas memórias, aos modelos que tivemos e às nossas avaliações e julgamentos desses comportamentos e atitudes. Nosso papel de pais é naturalmente formado por esses modelos, percepções e crenças do que é certo ou errado e do que acreditamos que teria sido melhor para nós. Tentamos sempre evoluir na tentativa de superar os “erros” que nossos pais cometeram.

Com a necessidade de trabalhar o dia todo, os pais são obrigados a deixar seus pequenos tesouros com babás, em creches ou em escolinhas, provocando culpa – muitas vezes inconsciente -, e uma conseqüente necessidade de recompensar seus filhos.

A inexperiência em educar, natural de todo “pai de primeira viagem” e as inseguranças que surgem no desempenho de um papel tão novo e tão cheio de responsabilidade, são apenas mais alguns dos inúmeros fatores que interferem na forma como os pais estarão demonstrando todo esse amor a seus filhos.

Daqui podemos ter uma idéia de como o “mimar” surge nas famílias. Entendemos “mimar” os filhos como oferecer todo amor, sem medida, protegendo-os, cobrindo-os de cuidados e agrados.

O problema na verdade está no entendimento do que é amor. Amar também é frustrar é oferecer ao outro a possibilidade dele perceber que têm limites. É justamente essa noção que ajuda a desenvolver a percepção de individualidade e singularidade. Quando se descobre o que está fora de si e o que não está sob o nosso controle, nos damos conta de quem somos e, mais à frente em nosso desenvolvimento, de até aonde podemos chegar. Desenvolvemos daí a noção de respeito.

Uma criança mimada, na verdade é alguém que se sente muito “amado”, tanto amado, que passa a acreditar que o outro não conta e que apenas seus desejos devem ser realizados. Torna-se egocêntrica, pois espelha o que sempre viveu em sua vida tendendo a ver a realidade por essa perspectiva.

A sensação de ser muito amado, sempre positiva no desenvolvimento humano, torna-se questionável pela própria criança, pois receber muito sem ter de retribuir nada, traz consigo a sensação de não ser real de não ser verdadeiro. Sabemos intuitivamente que nas relações reais existe sempre uma troca.

A questão central não é amar demais, mas, aprender que a frustração faz parte de nossas vidas e do amor, e serve para nos fortalecer. Se não vivenciamos a frustração, não conseguimos entender quais são nossos limites e por isso não temos a possibilidade de superá-los. Em conseqüência, também não conhecemos o limite dos outros e, portanto, temos mais dificuldade em respeitá-los.

Quem ama frustra, coloca limites e dá parâmetros.

Então, mimar os filhos pode ser um ato de amor se incluímos nesse conjunto de atitudes alguns parâmetros, como noções de individualidade, respeito a si próprio e ao outro, responsabilidade pessoal, moral, social e ética. Os parâmetros ajudam a dar sentido e realidade àqueles que cuidamos, preparando-os para viver e se relacionar.

Sirley Bittu

Psicóloga Especialista Clínica, Psicodramatista Didata e Supervisora. Terapeuta em EMDR pelo EMDR Institute/EUA.

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