Jackson César Buonocore

“Numa brincadeira pode-se até dizer a verdade”

Sigmund Freud escreveu no seu livro Os chistes e sua relação com o inconsciente, que “numa brincadeira pode-se até dizer a verdade.” Freud utilizava os chistes e o humor em seus textos, como um método inteligente e prazeroso de lidar com a dor e a tragédia, ele fez isso na sua própria vida.

A nossa realidade é tragicômica e precisa de brincadeiras para ser suportada, pois ela revela que vivemos no limite da angústia e do riso, o que nos permite, através do humor, elevar a nossa potência contra a cultura da morte que permeia o ambiente político, social, econômico e religioso da contemporaneidade.

O discurso freudiano mostra que o humor é a maior manifestação dos mecanismos de adaptação dos indivíduos e também apresenta um caráter rebelde, que se opõe à resignação masoquista dos sujeitos diante dos imperativos sociais, uma vez que cria maneiras de aliviar o sofrimento da vida real.

Assim, o humor é um dos caminhos em que o princípio do prazer triunfa sobre o princípio da realidade, onde o desejo se realiza e se contrapõe à pulsão de morte, que é um jeito de sublimar as dores da existência e rir delas.

Além disso, é por meio das brincadeiras que podemos rir da debilidade da nossa condição humana. E para fazer esse atalho o humor ganhou dois acréscimos extraordinários: os cartuns e as charges, que encontram em abundância o material cômico, irônico e trágico em nosso cotidiano.

Os humoristas extraem esse material das aflições, das contradições e dos conflitos da vida em sociedade. E são eles com suas sátiras, ironias e caricaturas que se rebelam contra a pomposidade do poder e das ideologias, que mostram sua face sórdida, frágil e nua.

Em outras palavras, as brincadeiras sempre têm um fundo de verdade, com uma segunda intenção ou um recado disfarçado em forma de chistes, a fim de confrontar a repressão dos desejos, da moral e da cultura que geram desprazer ou neuroses nas pessoas.

Nestes tempos de negacionismo científico e climático, de fundamentalismo político e religioso o riso cumpre um papel civilizador, ou seja, o melhor remédio ainda é rir para não se acostumar com a burrice institucionalizada, que tem levado a todos os tipos de catástrofes pessoais e coletivas.

Aliás, as figuras de poder e seus seguidores não querem ouvir e nem saber das verdades, entretanto, as brincadeiras são meios insólitos e paradoxais de dizê-las, que seguidas das descargas de risadas nos distensionam de tanta ignorância proferida.

Enfim, o humor inteligente e criativo é afirmação da vida ante ao impulso tanático das religiões e governos autoritários, que relembra os indivíduos do seu direito de existir e não se curvar à tirania, sem perder o riso.

***
Jackson César Buonocore é Sociólogo e Psicanalista

Nota da redação: a capa é uma homenagem ao cartunista Quino, criador da Mafalda, falecido nessa semana.

Jackson César Buonocore

Jackson César Buonocore Sociólogo e Psicanalista

Recent Posts

Pessoas que sofrem depressão usam estas palavras com mais frequência

Um estudo publicado na revista científica Clinical Psychological Science revela que pode haver uma maneira…

3 dias ago

Regulamentação de jogos de azar no Brasil: como as novas leis afetam o mercado e os jogadores

Descubra por que o mercado brasileiro de jogos virtuais é tão popular, como ele está…

5 dias ago

Por que tantas pessoas interessantes estão solteiras?

Bom, para começo de conversa, sei que tem muita gente solteira por opção. Gente que…

6 dias ago

Casal de aposentados comprou 51 cruzeiros seguidos: “Mais barato que casa de repouso”

Marty e Jess Ansen trocaram a rotina de uma casa de repouso por um estilo…

7 dias ago

Atriz revela que não beijava namorado na frente da filha e explica o motivo

Carol Castro e Bruno Cabrerizo namoraram por dois anos e a relação chegou ao fim…

7 dias ago

Mãe oferece pagamento para quem quiser ser amigo de seu filho com síndrome de Down e é surpreendida

Ela postou em sua página no Facebook uma mensagem oferecendo US$ 80 (cerca de R$…

1 semana ago