COMPORTAMENTO

Pai incrível ou: como os homens são exaltados por fazerem quase nada

Por Bia Krieger

Pai-diversão: veja o que acontece quando o pai tem que cuidar das crianças!”

“Fofura sem fim! Veja o que este pai sensacional fez com a filha bebê”

“Troll: pai prega peça nas crianças e o resultado é de morrer de rir”

“25 fotos que vão te provar que pais também sabem ser puro amor”

Manchetes como essas têm feito sucesso no universo das redes sociais, onde tudo vira notícia e tudo merece um minuto (porém não mais que isso) de fama e atenção. As coletâneas de fotos de pais sendo engraçados ou incrivelmente doces proporcionam alguns sorrisos e um pouco de “restauração da fé na humanidade” que são sempre bem-vindos, sem dúvida. Mas o barulho que se faz em torno da imagem do pai incrível esconde (ou revela?) alguns problemas da nossa sociedade que deveriam receber atenção.

Não é de hoje que o movimento feminista vem tentando conquistar para as mulheres o direito — não no legislativo, mas na prática social — de que elas possam escolher por não serem mães sem serem apedrejadas por isso. “Você vai se arrepender quando a idade bater” ou “Nenhuma mulher pode se sentir completa sem filhos, faz parte de nós” são apenas algumas das muitas opiniões não-pedidas que temos de ouvir. Mas não bastasse a pressão que se faz sobre as mulheres para que elas sejam mães, a situação também não melhora quando elas assumem, voluntariamente ou não, a grande tarefa. A realidade é que, em uma sociedade machista, quase não importa o que as mulheres façam: elas sempre serão julgadas simplesmente por serem mulheres.

No caso das que escolhem a maternidade, há a constante cobrança pela perfeição tanto na criação dos filhos, quanto no casamento — “Tem que continuar com tudo em cima mesmo depois de três gestações!” — e ainda no trabalho. A casa tem de estar sempre impecável, os filhos bem-alimentados, com todas as lições de casa em dia e, quando o marido chegar, a esposa deve estar limpinha, cheirosa e, principalmente, disposta para o que quer que o marido queira (muitas vezes, um sexo meia-boca em que só ele ganha o prêmio). Como isso é humanamente impossível e, mais importante, como na verdade ninguém tem de fato interesse em perfeição e, sim, em explorar e oprimir a mulher, nada do que ela faça é suficiente.

Na casa mais limpa, o patriarcado há de encontrar uma mancha no tapete, ou uma criança que, de vez em quando, não escova os dentes. E a culpa é da mãe, da esposa, da dona da casa que deveria garantir a impecabilidade de tudo. Enquanto isso, ela chega no trabalho já exausta das obrigações na família e é mais uma vez julgada por não poder dedicar toda a sua energia e atenção, pois de duas em duas horas ela liga para casa para saber se os filhos estão bem.

Onde está o pai durante todo esse tempo? No trabalho, cuidando dos próprios problemas — e sucessos —, dedicando-se a sua carreira, com a inquestionável justificativa de que “alguém tem que colocar pão dentro de casa”. Quando chega à noite, “ele merece” esticar os pés sobre o sofá e dominar a TV com seu futebol, enquanto espera o jantar ir para a mesa. De madrugada, ele precisa satisfazer seus prazeres ou então dormir ininterruptamente, porque o dia foi muito estressante no trabalho, portanto de jeito nenhum ele poderá levantar para trocar a fralda do bebê. Aos fins de semana, ele precisa de relaxamento, o que pode incluir as crianças, se ele quiser.

O resultado então é que quase sempre os momentos de maior integração entre pai e filhos são aqueles de diversão, já que “o pouco tempo que eles têm juntos deve ser bem aproveitado”, além de a mulher já ter cuidado de toda a parte desagradável. Não que o tempo de qualidade entre o pai e as crianças não seja legítimo, mas ele surge em um contexto no qual a maior parte dos problemas ficam para ser resolvidos pela mulher.

Então, o homem diverte-se durante poucas horas de aproveitamento com seus filhos, e toda e qualquer demonstração de carinho e bom-humor vira notícia e aquele pai recebe na mídia adjetivos de “sensacional” e “zueiro”, no melhor dos sentidos. Enquanto a mulher tem seus dilemas ignorados, seus acertos julgados como “não mais do que sua obrigação” e apenas suas falhas viram manchete, os homens que vivem qualquer experiência de alegria e amor com os filhos são exaltados internet afora.

A mulher que se dedica aos filhos, nos altos e baixos, no choro de pirraça e na risada diante de um programa infantil que ela mesma não suporta, está fazendo seu dever; o homem que joga bola com as crianças ou prende o cabelo da filha de maneira engraçada quando tem vontade é um herói. Assim, não só as mulheres são desvalorizadas, mas, tão ruim quanto, os homens são incentivados, mais uma vez, a se acomodarem com o pouco que fazem. Não à toa, estamos cheios de mulheres infelizes numa espera quase sempre frustrada por homens mais completos que saibam ser pais também trocando fralda mal-cheirosa às 3 horas da manhã.

Imagem de capa: Shutterstock/Africa Studio

TEXTO ORIGINAL DE LADO M

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