Tecer a confiança é um movimento dinâmico em que a trama tecida nessa relação precisa necessariamente de uma visão mais despretensiosa e real das possibilidades que por ora cada um pode ter para ser confiável. Ou seja, identificar em que áreas e jeitos-de-ser podem contar conosco e se pode contar com o outro já que o homem não é um ser completo e fechado como um produto que se toma da prateleira com todas as propriedades disponíveis no rótulo. Confiar(co-fiar) “é seguir junto o mesmo fio.” (Luis Cancello)

É importante ressaltar que assim como os outros não mantém o índice de excelência e durabilidade no modo-de-ser e de agir, nós mesmos também não. Mas temos dificuldade de reconhecer que não correspondemos sempre às expectativas alheias especialmente em momentos de conflito onde aparece negativamente o que fizemos ou deixamos de fazer.

Assim podemos estar agindo de um modo arrogante sem perceber, aparentemente auto-confiante, já que nos imbuímos de ser detentores da verdade, plenos de certezas, inclusive de que não precisamos do outro, achamos que nos bastamos levantando a bandeira do: “Antes só do que mal-acompanhado”. Às vezes, pode ser que a relação tenha chegado ao fim mas também pode ser que seja uma questão de ajuste, de limites breves, atos de respeito, principalmente de auto-respeito que vão tecendo dinamicamente a forma de se relacionar. Isso contribui para que possamos confiar em nós mesmos e no outro na justa medida, sem ser auto-suficiente e nem dependente.

Quando estamos verdadeiramente com confiança em nós mesmos sabemos o nosso lugar, nem mais e nem menos. Por isso é fundamental que nos dediquemos a conhecer o que fazemos bem, o que pensamos, os valores que seguimos, o jeito-de-ser, nossas dificuldades, etc. É no mundo, nas diversas relações incluindo conosco mesmos que  podemos perceber tudo isso.

Nessa tecelagem o retorno que recebemos dos outros ao longo da nossa vida é de fundamental importância para a nossa avaliação própria, para a construção da nossa confiança. Precisamos de retornos positivos pois a ausência deles nos deixa sem referência e sem condições de auto-afirmação. Por um lado, se há excesso no retorno positivo isso cria um peso da expectativa sobre nós que nos faz negar o retorno para não termos que manter todo o tempo aquela solicitação, e ser 100%, esse peso faz com que nos sintamos sempre uma farsa. Por outro lado, se o retorno é negativo, altamente crítico, passamos a esperar menos do que podemos de nós mesmos, duvidamos e abrimos mão da nossa convicção.

A palavra do outro tem mais crédito do que a própria experiência, um evento supostamente negativo é suficiente para colocar em dúvida toda a história de experiência positiva de uma vida inteira.  

As distorções, sejam pelo excesso, pela falta ou pela depreciação são corrosivas para a auto-estima e, conseqüentemente, para a autoconfiança. Por isso é imprescindível cuidar da nossa teia de relações avaliando e reavaliando sempre os critérios que prevalecem para nós mesmos e para os outros. Sempre lembrando que somos seres dinâmicos, os outros também e que existe um contexto relativo a cada situação. Reconhecemos então o nosso tamanho, com os alcances e limites devidos e conferimos nessa medida o valor próprio.

Desse modo, não precisamos ser detentores da verdade e nem auto suficientes por um lado e nem incapacitados e submissos por outro. Trocamos riquezas uns com os outros sabendo que assim como o outro não garante a perfeição, da mesma forma nós mesmos não temos que estar sob esse crivo, ilusório índice de meta a seguir e exigir.

Nos tornamos mais tolerantes, menos exigentes, com chance de nos decepcionarmos menos porque conseguimos nos ver e ver ao outro, dimensionando nossas expectativas conforme a realidade de ambos. Permitimos que o outro erre e nos perdoamos também pelos nossos erros. Conto comigo, com o outro, com o mundo assim como eu, o outro, o mundo é, está. Daí é possível um sentimento de pertencimento, de força, de apoio, de confiança na existência, em um mundo real e coeso com todos os nós e esfiapados entremeados e tecidos na colcha da vida.   

Gabriela Bessa Barreto

Psicóloga com Mestrado em Psicologia Clínica pela UFRJ e Formação em Psicoterapia Fenomenológico-Existencial. Consteladora Familiar. Dedica-se aos atendimentos clínicos individuais de crianças, adolescentes e adultos desde 1998, realiza atividades em grupo como oficinas vivenciais sobre temas da existência, tendo trabalhado como co-terapeuta de grupo inclusive.

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