A inveja também pode ser boa e criativa, por Carlos Byington.

Por Carlos Byington

A função estruturante da inveja é a de desejar as coisas alheias. Por esta razão, a inveja é altamente desestabilizadora das dimensões econômica, política, jurídica e social. No sistema familiar, a cobiça da mulher do próximo é uma ameaça central à manutenção da família, a unidade básica da sociedade. Essa descrição resumida da inveja é suficiente para nos mostrar porque ela tem sido temida e execrada através dos tempos. Mas, se  resistirmos ao seu repúdio imediato devido ao medo de suas conseqüências, percebemos que esse medo decorre também da sua imensa capacidade transformadora da vida individual e cultural. Por isso, em meu livro Inveja Criativa, coloquei o subtítulo O Resgate de uma Força Transformadora da Civilização.

A projeção é a função estruturante que torna nosso inconsciente consciente através do Outro, e a introjeção é a função estruturante que complementa a projeção e estrutura o Ego com o significado projetado. Ora, se a inveja projeta o desejo naquilo que o Outro possui, ela é sem dúvida uma função importantíssima para conscientizarmos nosso inconsciente através do desejo. Considerando que o desejo é a mola propulsora do principal dos arquétipos, o Arquétipo Central do Self, que rege todo o processo de individuação da personalidade, ao torná-lo consciente através da percepção, a inveja adquire uma função extraordinariamente importante de ampliação da Consciência. Esse poder criativo e transformador da inveja é inerente a todo o desenvolvimento individual e à ambição de ascensão social. Na democracia ele é fartamente empregado nos discursos políticos que denunciam a desigualdade social e propõem a melhor distribuição de renda.

No entanto, é preciso admitir que não é apenas por seu poder transformador que a inveja é temida, porque sua capacidade destrutiva é também muito acentuada. Pelo fato de serem arquetípicas, isto é, presentes junto com a formação genética, as funções estruturantes são igualmente pujantes na normalidade e na patologia, pois sua força está em sua natureza. Desta maneira, quando fixada e defensiva, a inveja torna negativa e destrutiva a sua criatividade. Ao invés de fortalecer e ampliar, ela restringe a Consciência e passa a atuar no crescimento da Sombra.

A inveja criativa deseja coisas que pertencem a outros e se dedica intensamente à criatividade e ao trabalho para consegui-los. Torna-se, assim, uma fonte riquíssima de estímulo ao desenvolvimento do caráter e do trabalho individual e coletivo. Quando tornada fixada e defensiva, porém, ela passa a atacar os outros que têm o que ela deseja. Nesse caso, a inveja se torna uma fonte inesgotável de maldades, que também muito contribuíram para ela ser temida e famigerada. No discurso dos políticos demagógicos, a inveja se transforma numa mina de ouro para conseguir votos. A técnica consiste em incentivar a inveja no eleitorado e, a seguir, vinculá-la ao ódio de quem possui os artigos invejados para depois prometer esses artigos após a eleição. Como essa inveja é fabricada e defensivamente manipulada, o estelionato eleitoral é inevitável.

É no livre comércio da globalização que tanto a inveja saudável quanto a defensiva e anormal estão sendo usadas de forma avassaladora na propaganda e no marketing, sendo, por isso, uma das principais funções estruturantes da cultura de consumo que domina o Planeta na modernidade. A inveja criativa está maciçamente presente na propaganda que apresenta, por exemplo, uma pessoa famosa e bonita, recomendando a conduta e o consumo de produtos saudáveis. No entanto, o que mais se vê é a indução, por astros famosos, ao consumo pelo consumo, freqüentemente supérfluo e luxuoso, que seduz as pessoas para comprar compulsivamente.

Esta técnica, que emprega a inveja demagógica e defensiva, começa com a oferta de guloseimas para as crianças, através de bonecos de desenhos animados, que comem o que se quer vender, e permeia todo o universo adulto com ídolos populares que usam produtos os mais diversos para despertar a inveja e aumentar o consumo. Seu grau extremo está na indução ao vício dos anúncios sabidamente danosos, como o fumo e o álcool, consumidos por grupos sociais ou pessoas famosas, acompanhados pelo aviso do Ministério da Saúde que esses produtos fazem mal à saúde…

É, no entanto, no extraordinário aumento da violência e do crime que nós vamos encontrar a principal conseqüência da manipulação da inveja na cultura de consumo. O crescimento incrível da intercomunicação planetária e o uso da inveja para incrementar o consumo desencadeou um aumento mágico do comércio. O que se tem é sempre pouco e o
que os personagens famosos têm é o que mais devemos desejar. Exercida à exaustão, essa influência acaba condicionando até os mais resistentes.

A conseqüência é o descrédito de valores como a honra, a dignidade, a tradição, a reputação, o trabalho, a honestidade, a consideração, a educação, a ética, a gentileza, a dedicação, a compaixão e tantos outros, substituídos pela aparência, pelo luxo, pelo status e pelo supérfluo, contanto que seja novo, cuja conquista consagra os espertos e os oportunistas. Nesse quadro, como é que os pais vão educar os filhos e convencê-los da importância dos valores humanistas, ao invés do ganho fácil pela corrupção e pelo crime?

Condenar a inveja de antemão é bani-la para a Sombra, onde atuará de modo imprevisível. Reconhecer o papel das funções estruturantes na formação da Consciência e a capacidade criativa da inveja é a melhor maneira de empregá-la produtivamente dentro da função ética e evitar sua destrutividade.

Imagem de capa: Shutterstock/tuaindeed

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