Quando o sofrimento deixa de ser “fase” — e se transforma em condição permanente
Crises de ansiedade severa, episódios depressivos profundos ou surtos psicóticos não são apenas momentos difíceis: podem ser o ponto de partida de um processo de cronificação da doença mental. Sem diagnóstico e sem tratamento, aquilo que começou como um episódio isolado evolui para um padrão persistente, afetando:
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o funcionamento emocional,
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o corpo,
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a vida social,
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o desempenho profissional,
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e até a forma como a pessoa percebe a si mesma.
A deterioração é lenta — e silenciosa.
O cérebro sofre. E a ciência comprova.
Décadas de pesquisas mostram que sofrimento psicológico intenso ou prolongado não fica restrito ao campo emocional: ele muda o cérebro fisicamente.
Entre as evidências científicas:
Atrofia e perda neuronal em regiões emocionais
Estudos apontam que depressão e estresse intenso podem provocar atrofia de neurônios e células gliais em áreas límbicas, fundamentais para regulação emocional.
🔗 Fonte: Biological Psychiatry — https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/10591480/
Ativação inflamatória da microglia
O estresse crônico ativa a microglia, células de defesa que, em excesso, podem comprometer neurônios e a plasticidade sináptica.
🔗 Fonte: Brain, Behavior, and Immunity — https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31196016/
Autofagia e morte de células-tronco neurais
Pesquisas em modelos animais mostram que o estresse prolongado pode induzir autophagic cell death em células-tronco neurais no hipocampo — prejudicando não apenas neurônios existentes, mas também a capacidade do cérebro de formar novos.
🔗 Fonte: Neuroscience News / Cell Reports — https://www.cell.com/cell-reports/fulltext/S2211-1247(17)31400-7
Redução da neurogênese
O estresse contínuo e a depressão podem reduzir a produção de novos neurônios, afetando memória, motivação e adaptação emocional.
🔗 Fonte: National Institute of Mental Health — https://www.nimh.nih.gov/health/publications/brain-basics-neuroplasticity
O que realmente significa “morte” ou “perda” de neurônios?
O termo não se refere a uma destruição dramática, e sim a um desgaste progressivo provocado por:
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atrofia dendrítica, reduzindo as conexões entre neurônios;
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redução do número de neurônios em regiões específicas do córtex em pessoas expostas a adversidades severas;
🔗 Fonte: Oxford Academic — https://academic.oup.com/cercor/article/26/3/1281/2367110 -
queda da neurogênese, diminuindo a renovação neural;
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processos como apoptose e autofagia que afetam células sob alto estresse.
🔗 Fonte: PubMed Central — https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3077054/
Com o tempo, esse desgaste reduz a resiliência emocional, aumenta o risco de recaídas e dificulta a recuperação espontânea.
O impacto da cronificação na vida real
1. Corpo em alerta permanente
Adoecimento físico, inflamação crônica, piora do sono, dores físicas e alterações hormonais.
2. Relações fragilizadas
O indivíduo se afasta, perde energia emocional e vive com irritabilidade, apatia ou culpa.
3. Trabalho ameaçado
Queda de concentração, lapsos de memória, faltas, improdutividade e instabilidade profissional.
4. Prazer e sentido esvaziados
Projetos, hobbies e sonhos são abandonados.
5. Autoestima destruída
A pessoa começa a se ver apenas como “alguém quebrado” — e isso corrói sua identidade.
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Surtos: por que são pontos de virada tão perigosos?
Um surto psiquiátrico — seja psicótico, ansioso ou depressivo — não é apenas uma crise intensa. Ele pode:
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acelerar processos neurobiológicos prejudiciais,
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aumentar o risco de cronificação,
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reduzir a chance de recuperação total,
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e alterar de forma duradoura o funcionamento mental.
Sem intervenção, o ciclo passa de crises esporádicas para um estado permanente.
Caminhos para interromper o dano e recuperar autonomia
• Buscar acompanhamento psicológico e psiquiátrico
Tratamento precoce reduz dano cerebral e melhora o prognóstico.
• Priorizar autocuidado físico
Sono, alimentação, atividade física e redução de substâncias formam o tripé da estabilidade emocional.
• Cultivar atividades com significado
Prazer, conexão e criatividade fortalecem a neuroplasticidade.
• Praticar autoaceitação
Adoecer não é fraqueza — e pedir ajuda é coragem.
• Construir redes de apoio reais
Relacionamentos saudáveis tornam-se uma fonte de proteção emocional.
• Observar sinais sutis
Fadiga extrema, apatia, irritabilidade ou sensação crônica de “estar apagado” são alarmes importantes.
Conclusão: não tratar também é uma escolha — mas uma escolha perigosa
Doenças mentais não desaparecem sozinhas. Elas podem se tornar crônicas, prejudicar o cérebro, afetar o corpo e comprometer profundamente a vida.
Entender isso não visa criar pânico — visa empoderar.
Cuidar da saúde mental é parte do direito de viver com dignidade, vitalidade e autenticidade.
Artigo com curadoria da Psicóloga Josie Conti
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