Por Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz
É comum ver crianças (e também adultos) colecionar moedas, bonecas, figurinhas, roupas e uma infinidade de outros itens. Não raro as pessoas se apegam tanto a seus pertences que passam a considerá-los extensões de si mesmas, apegando-se demasiadamente a eles.
Em raros casos, o hábito de reunir e manter coisas chega a situações extremas, nada saudáveis, caracterizando-se como um distúrbio de acumulação, ainda pouco compreendido pela ciência. Muitos pesquisadores acreditam que a patologia seja variante do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), mas não há confirmação dessa hipótese. Estudos mais recentes sugerem que o distúrbio resulte de uma desregulação da tendência adaptativa de manter recursos para sobrevivência.
Sigmund Freud considerava a acumulação um sintoma relacionado à fase anal, decorrente, entre outras coisas, do “treinamento do banheiro” (fase em que a criança deixa as fraldas) excessivamente rígido. De fato, essa hipótese embasada no desenvolvimento psicossexual oferece pistas preciosas para entender o funcionamento psíquico do acumulador. Mas também é possível considerar a questão sob outras ópticas – que de forma alguma refutam a argumentação psicanalítica, mas podem complementá-la.
Na década de 90, o problema começou a ser reconhecido como um distúrbio clínico grave. O psicólogo Randy O. Frost, da Smith College, foi um dos primeiros a desenvolver pesquisas sobre o tema. O assunto foi popularizado por documentários e reality shows americanos, como Hoarders, Clean house e Hoarding: buried alive, exibidos no Brasil como Cada coisa em seu lugar e Acumuladores no canal por assinatura Discovery Home & Health.
Até recentemente, muitos profissionais de saúde mental consideravam a acumulação patológica um subtipo do TOC, ou seja, uma espécie de compulsão: atos repetidos ou rituais para tentar dissipar a ansiedade, como verificar o fogão excessivamente para se certificar de que está desligado. No entanto, de acordo com um estudo feito em 2010 pelo psicólogo David Mataix-Cols, do Kings College London, mais de 80% das pessoas que acumulam objetos não satisfazem os critérios do TOC, como ter obsessões (pensamentos, imagens e impulsos recorrentes ou intrusivos). Além disso, a tendência à acumulação geralmente é comum em pessoas mais pobres, mais idosas e propensas a transtornos de humor e ansiedade, em comparação aos pacientes com TOC. Apresentam ainda uma característica marcante: raramente se dão conta do problema que enfrentam.
De acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria, o transtorno é caracterizado por dificuldades extremas e duradouras de se desfazer de bens, mesmo que não tenham nenhum valor tangível. Pessoas com o problema enfrentam fortes impulsos para reter objetos ou se tornam extremamente ansiosas ao pensar em jogá-los fora. A casa ou o local de trabalho são tão desorganizados que o espaço se torna inutilizado, uma situação que pode deflagrar intensa angústia e prejudicar seriamente as atividades cotidianas. No entanto, antes de diagnosticar o distúrbio é preciso excluir condições médicas que podem levar a comportamentos similares. Em um estudo de 1998, o psiquiatra Jen-Ping Hwang e seus colegas do Hospital Geral de Veteranos de Taipé, constataram que 23% de pacientes com demência exibem comportamento clinicamente significativo de acumulação.
O distúrbio afeta homens e mulheres na mesma medida e atinge entre 2% e 5% da população, o que o torna mais prevalente que a esquizofrenia, por exemplo. Pessoas com o transtorno costumam ajuntar livros, revistas, jornais e até enormes quantidades de roupas que nunca são retiradas da embalagem. Embora raros, há também registros de acúmulo de animais. Em 2010, policiais encontraram mais de 150 gatos em uma casa na cidade de Powell, em Wyoming. No Brasil, uma família em Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, foi processada pelos vizinhos por manter 44 animais dentro de casa, sendo que a lei permite, no máximo, dez. Esse tipo de acumulador tende a sofrer mais prejuízos psicológicos e a viver em condições bastante precárias.
Imagem de capa: Cena do documentário Irmãos Collyer – uma fábula do acúmulo, de Alfeu França, 2006
Fonte: Mente e Cérebro