Clara Averbuck: As mulheres não estão no mundo para enfeitar

Após perder o pai e o emprego, jornalista perde 15kg e fica gata.” Juro pra vocês que isso é uma manchete real, de um site real. Não sei nem por onde começar. Mas vamos.

Quem disse que uma mulher precisa ser magra pra ser gata? Eu sei, eu sei: a sociedade inteira. A mídia toda. A sua tia quando diz que você engordou no Natal. Seu pai quando te olha daquele jeito que você sabe que ele está julgando sua barriga e pensando “tsc”. Como se não fôssemos mais do que um corpo com um padrão a ser seguido.

Eu sei. Sei tudo isso na pele. Durante minha adolescência em Porto Alegre, sofri de bulimia e anorexia. Quando emagreci, sempre à base de remédios que destroem qualquer pessoa saudável por dentro e sequer são mais legais, recebi apenas elogios. Magra! Linda. Você é tão bonita de rosto, ficou linda mais fininha. Sabemos que não devemos viver em função da aprovação alheia, mas a adolescência é uma época confusa, então eu só conseguia ver que estava funcionando. Eu estava bonita. Eu era merecedora de amor. Porque ainda tem isso, né? Somos ensinadas que apenas mulheres dentro de um padrão são merecedoras de amor, de atenção, de carinho. Depois tive isso de novo, na vida adulta, em decorrência de uma depressão. 48 quilos. Todos elogiando. Não, não, não. Não, gente.

E aí vemos uma mulher que claramente esteve doente. Sofreu. Passou por uma depressão. Perdeu gente que amava. Mas de que importa a saúde dela? O estado emocional dela? Emagreceu e está gata. Pois bem, leitoras, vou compartilhar algo pessoal com vocês. Nos últimos meses, fiquei doente. Também perdi 15 quilos. Sabe o que era? Saúde mental comprometida. Gastrite. Estresse. A vida cobrando os maus-tratos que o excesso de trabalho e estresse, estresse, estresse me trouxeram. Adivinha se não veio gente elogiar? Afinou, né? Afinei. Fiquei 10 dias vomitando até água e mais 40 sem conseguir comer direito. Uma delícia! Adorei pagar mil exames e não ter forças para andar uma quadra. Muito bacana e saudável mesmo.

Isso mata. Essa cultura da magreza a qualquer custo mata. Essa indústria da dieta mata, nos enfraquece, nos enlouquece. E, é claro, nos mantém focadas no físico, além ou acima de todas as outras coisas que poderiam nos trazer liberdade e poder. Eu digo “nós”, mesmo, porque me incluo nessa. Sou mulher e também sou alvo. Não passo ilesa. Quase ninguém passa.

Não estou sozinha. Saber que essa indústria da dieta e da magreza, da plástica e da beleza que movimentam milhões existem e nós somos os alvos não é o suficiente. E combatê-la também não é nada fácil, pois não vivemos em uma bolha e nossos conceitos, desejos e senso estético foram criados pela mesma cultura que alimenta isso tudo.

É um respiro saber que hoje existem movimentos, blogs e sites que tentam, se não quebrar, ao menos ampliar esse padrão, pois é só olhar em volta pra ver que existem belezas de todos os tamanhos e todas as cores. Ainda é um movimento pequeno e que sofre muitos ataques, mas que bom que existe.
É bom já esclarecer: não estou falando que não devemos buscar uma vida saudável. Devemos – se quisermos, pois a vida é de quem? Isso, a vida é nossa.

O que está errado é controlar o corpo das mulheres com essa desculpa. Ou você sai dando um tapa no cigarro de cada fumante que vê passando?

É bom também lembrar: não somos apenas corpos. Somos indivíduos complexos que merecem mais do que uma vida buscando uma perfeição que não nos cabe no reflexo de um espelho ou no ângulo de uma selfie.

Encerro com aspas da Naomi Wolf, cujo livro O Mito da Beleza deveria ser lido por todas nós: “Uma cultura focada na magreza feminina não revela uma obsessão com a beleza feminina. É uma obsessão sobre a obediência feminina. Fazer dietas é o sedativo político mais potente na história das mulheres; uma população passivamente insana pode ser controlada”.

Imagem de capa: Shutterstock/Anastasia_B

TEXTO ORIGINAL DE REVISTA DONNA






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