Complexo do messias: conviver com quem tem a síndrome demanda atenção

Por Raquel Baldo

O Complexo ou Síndrome do Messias trata-se de um estado psicológico onde a pessoa acredita que é ou será uma figura de extrema importância para o meio que vive ou mesmo para o mundo. É também muito comum se nomearem salvadores, pois sentem que são indivíduos enviados ou escolhidos por uma força maior ou por Deus para uma ou mais missões para com o mundo. E pelo fato de que no geral suas missões carregam uma forte característica religiosa, é muito comum que estas pessoas encontrem conforto nas ideias, reforço nas atitudes e até apoio ou seguidores nos meios que vivem mais intensamente uma religião, seja ela qual for. Mas vale ressaltar logo de início que este complexo não está relacionado ou mesmo é causado pela religiosidade ou por uma religião.

O que chama a atenção é que estes indivíduos sempre pregam suas verdades visionárias embasadas no seu próprio EU, mesmo que citem teorias ou pesquisas.
Há uma grande diferença entre pessoas que são religiosas (possuem suas crenças, conduzem suas vidas estruturando seus valores e buscando ou encontrando respostas e acalento na fé) das pessoas que pertencem a este complexo por se encaixarem numa análise onde o que chama a atenção são os atos e pensamentos extremos. A intensidade ou a ideia de exagero está presente nos movimentos destas pessoas, que algumas vezes relatam não somente sentir ou saber que são especiais e escolhidas, mas que ouvem vozes ou veem imagens que as orientam a respeito de suas vidas e suas missões. Os sintomas de quem possui este complexo, muitas vezes, estão relacionados ou presentes nos diagnósticos psiquiátricos numa linha paranoica ou mesmo esquizofrênica.

Contudo, creio que vale considerarmos que apesar desta síndrome possuir atenção psiquiátrica por causa de seus sintomas extremos, podemos analisar a questão e considerar um novo ângulo, aliviando o foco no conceito de doença ou síndrome e abrir espaço para refletir sobre este complexo em nosso dia a dia, observando quem somos ou com quem convivemos. Penso que se pensarmos um pouco, podemos perceber que é muito provável que este tal complexo do Messias faça parte de nossas vidas e de nossos pensamentos, mesmo que não nos encaixemos numa ordem psiquiátrica.

Não precisamos ir longe ou analisar cenas muito estereotipadas, basta prestarmos atenção ao nosso meio de convivência, grupos de amigos, parentes, família, no trabalho, redes sociais… Quem não conhece, ao menos, uma pessoa que se julgue com uma capacidade além de enxergar os problemas atuais e passados, por vezes até do futuro, e que se sente na obrigação de expor sua visão salvadora para o mundo?

Mas atenção, o diagnóstico de síndrome ou complexo do messias só pode ou deve ser afirmado por um profissional (psicólogo ou psiquiatra), capazes de fato de poder identificar corretamente o diagnóstico e diferenciar de outros conflitos emocionais. Não tente identificar ou diagnosticar por conta própria, não se prenda a essa ideia, deixe isso com o profissional, afinal um diagnóstico depende de muitos fatores. Então não ache que todos aqueles que possuem uma forte opinião ou que gostam de aparecer, de expor seus conhecimentos, exibir suas verdades ou que sejam convincentes possuem a tal síndrome.

Essas pessoas por vezes possuem muitos conhecimentos, inclusive por meio de estudos e até condições sociais elevadas, mas não necessariamente isso é uma regra, pois temos que considerar que conhecimentos gerais são adquiridos com a vivência. Mas o que chama a atenção é que estes indivíduos sempre pregam suas verdades visionárias embasadas no seu próprio EU, mesmo que citem teorias ou pesquisas.

Trata-se portanto de uma neurose messiânica muito presente em nossas vidas podendo ganhar as mais diferentes formas e contextos (religiosa, filosófica, política, pedagógica etc.), possuindo sempre em comum uma ideia de soberania e de uma missão obrigatória em alertar e levar adiante o que julga ou acredita ser o melhor, o mais correto para o mundo.

Enquanto essas ideias se restringem a rodas de amigos, reuniões familiares ou profissionais talvez não seja muito mais que uma cena curiosa, podendo ser reflexiva, engraçada ou até mesmo chata. Porém, quando tomam um rumo maior que pode oferecer impacto social, religioso, político e cultural devemos ter atenção e até cuidado. Essas pessoas são envolventes, imponentes, com falas e atitudes que podem nos confundir ou mesmo nos oferecer a ideia de que nossas angustias ou conflitos do mundo podem ganhar uma salvação e no geral estará presente a ideia de que aquilo que até então não foi feito, será realizado.

Não é difícil para estes salvadores encontrarem seguidores ou admiradores, visto que vivemos continuamente angustias e conflitos na vida e muitas vezes fantasiamos receber um milagre ou uma solução mágica. Nos deixando assim levar por uma mensagem salvadora que o outro propõe, mas que atende nossos desejos e fantasias.

Nos relacionamentos amorosos

Vale pensar também enquanto casal. Na vida podemos encontrar parceiros messiânicos que nos envolvem com sua proposta de salvação, com suas verdades e nos conduzem para suas manias e ideias. Se estivermos em um momento muito delicado na vida, ou mesmo se passamos por uma historias difícil e sofrida, é possível que facilmente nos deixemos levar por uma palavra salvadora embasada em contextos que nos identificamos.

Conviver com este perfil requer cuidados. Na grande maioria é provável que se trate de uma neurose com bases narcísicas e maníacas para atender seu próprio EU, mas devemos estar atentos às intensidades e exageros nas atitudes, nas falas e nos sintomas obsessivos. Quando a extremidade ganha destaque, dificilmente poderá ocorrer uma relação ou convívio com estruturas lógicas ou emocionais saudáveis.

As fantasias tornam-se a realidade para aquele sujeito com complexo messiânico e a partir de então tudo é possível, desde ideias de milagres, mudanças radicais de vida, abrir mão de família, amigos, trabalho, dinheiro ou até mesmo acreditar ser um soldado divino com a missão de eliminar o mal, que seria todo aquele que pensa ou age diferente dele.

Mas se estiver achando que este é o caso de um conhecido seu ou quem sabe até você mesmo, vale ficar atento ao exagero dos sintomas, este é o ponto que deve chamar a atenção. Caso seu companheiro, filho, irmão ou amigo possua uma ideia fixa, intensa, exagerada de provar suas verdades através de um discurso que sugere salvação ou solução mágica para seus problemas ou para o mundo, é possível que pertença ao caso. Você vai perceber também, que é muito comum que no discurso esteja presente uma forte crítica e desvalia com outras ideias, costumes e hábitos, sugerindo certa agressividade a quem contrariar seu pensamento. Se a situação estiver ganhando força ou dimensão a ponto de chamar a atenção, talvez seja a hora de procurar ajuda de um especialista, o que provavelmente não será uma tarefa fácil, visto que este perfil tende a não procurar ajuda, pois não entende que necessita dela.

Finalizo aqui, pensando e convidando vocês a pensarem junto comigo:

Estes perfis messiânicos neuróticos precisam de admiradores para poderem ganhar força. E se hoje nos deparamos com tantas divindades ou pessoas com conhecimentos soberanos e visionários que propõem uma salvação ao mundo, será que não temos alguma responsabilidade nesta fantasia que o outro expõe, mas que corresponde aos nossos desejos? Será que não buscamos de tempos em tempos deuses ou salvadores para nossas angustias?

TEXTO ORIGINAL DE MINHA VIDA

Imagem de capa: Shutterstock/Voyagerix






Informações e dicas sobre Psicologia nos seus vários campos de atuação.