A era da autodestruição e a fuga do sofrimento humano

Por Gabriela Loureiro

Eu fiz de conta que era um dia normal. Levantei, fui à escola, voltei para casa e subi no telhado do prédio. Meu pé direito já estava no ar. Bem quando ia pular, olhei para cima. Do outro lado da rua, uma família olhava para mim da janela do seu apartamento. Havia essa menininha com o olhar fixo em mim, e ela balançou a cabeça e cobriu o rosto. Por causa dela, não pulei.”

Esse é o depoimento de um jovem de 20 anos que chegou à beira do suicídio em 2009 e mudou de ideia. O relato foi postado num tópico no site Reddit sobre os usuários da rede social que tentaram se matar. No início de outubro eram quase 10 mil comentários no tópico, boa parte relatos em primeira pessoa de uma epidemia silenciosa que não para de crescer no Brasil.

Segundo dados do Mapa da Violência 2014, a taxa de suicídio de jovens com idade entre 10 e 14 anos aumentou 40% no país nos últimos 10 anos. Entre os jovens com idade entre 15 e 19 anos, o crescimento foi de 33%. O Brasil é um exemplo de uma tendência que assola o mundo: o suicídio é a principal causa de morte entre jovens em um terço dos países. Por aqui, o suicídio está atrás de homicídios e acidentes de carro, com taxas 4 e 6 vezes maiores de mortes. O problema é que o assunto ainda é um tabu — e características da adolescência, como isolamento e alterações de humor, fazem com que o comportamento suicida muitas vezes passe batido para a família.

“O adolescente não tem uma visão crítica em relação ao prejuízo. Prepotência, despreocupação com o futuro e achar que aquilo não vai dar em nada os deixam vulneráveis”, diz Jair Segal, psiquiatra especialista em comportamento suicida. “Boa parte desses jovens é exposta mais precocemente a substâncias psicoativas, especialmente o álcool, usado para minimizar o sofrimento. E a sociedade está cada vez mais tolerante ao uso de álcool em todas as faixas etárias.”

O último Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), de 2013, aponta que 36% dos jovens consomem álcool de forma nociva — quatro doses ou mais em até duas horas. É um aumento de três pontos percentuais em relação há três anos, segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, da Universidade Federal de São Paulo. Quando a bebida é aliada à depressão, doença que afeta quase um terço dos adolescentes, tem-se uma combinação perigosa. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é a principal causa de doença e inaptidão de adolescentes no mundo.

Outro fator apontado como uma das causas do aumento nos suicídios é o excesso de aulas, cursos e esportes a que os jovens são submetidos. Trata-se de um estilo de vida que está sendo investigado por psicólogos que relacionam a epidemia ao perfeccionismo. Estudo divulgado no ano passado nos EUA apontou que 70% dos 33 meninos que tiraram a própria vida tinham exigências altas demais. “O adolescente muitas vezes sofre com uma imagem fantasiada dos pais e não tem espaço para ser quem ele é, além de não tolerar a frustração”, diz Karen Scavacini, psicóloga e fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.

Imagem de capa: Shutterstock/samantha cheah

TEXTO ORIGINAL DE REVISTA GALILEU






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