A fibromialgia, considerada uma das doenças mais dolorosas da nossa época, afeta drasticamente a vida dos pacientes, pois há mudanças em todo o sistema músculo-esquelético. Alguns dos sintomas são fadiga persistente, distúrbios do sono, ansiedade e depressão.

Reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde apenas em 1992, a fibromialgia é objeto de pesquisa do médico Fernando A. Rivera. Ele trabalha na Clínica Mayo de Jacksonville, na Flórida, Estados Unidos. Além disso, é membro do Colégio Médico dos Estados Unidos e docente da Escola de Medicina associada à Mayo. Leia a entrevista em que Rivera esclarece informações sobre a doença:

O que é a fibromialgia?

Rivera — A definição mais aceita atualmente diz que a fibromialgia é uma dor generalizada, crônica, no sistema músculo-esquelético, devido a um transtorno do sistema nervoso central na percepção da dor, ocasionando hiperalgesia e alodinia. Em termos mais simples, a hiperalgesia ocorre quando um estímulo, que normalmente é doloroso, provoca uma dor ainda maior no paciente; a alodinia, por sua vez, significa sentir dor por estímulos que normalmente não deveriam provocá-la.

A origem da doença é conhecida?
Rivera — Até agora só se conseguiu saber que o surgimento e a intensificação dos sintomas da fibromialgia podem estar relacionados a fatores estressantes, tanto físicos quanto emocionais.

Que percentagem da população é afetada pela fibromialgia?
Rivera — Em nível mundial, diz-se que a prevalência está entre 2% e 3%, ainda que se tenha taxas de 5% a até cerca de 10% em atendimento primário. Nos Estados Unidos, a porcentagem é similar: em torno de 2% da população sofre a doença, sendo mais frequente entre as mulheres, à razão de nove por um em comparação com os homens. Calcula-se que cerca de 10 milhões de norte-americanos têm fibromialgia.

O que se entende por dor generalizada?
Rivera — Em 1990, a Sociedade de Reumatologia dos Estados Unidos definiu “dor generalizada” como a que ocorre nos dois lados do corpo, esquerdo e direito, tanto acima quanto abaixo da cintura, além de dor esquelética axial, isto é, afetando a coluna cervical, a parte anterior do tórax, a espinha torácica ou a parte baixa das costas. Além disso, o paciente deve sentir dor em pelo menos 11 de 18 pontos predeterminados, denominados “pontos sensíveis”, que respondem dolorosamente quando apalpados. Entre esses pontos, podemos citar a base do pescoço, o cotovelo, a parte medial dos joelhos próxima à articulação, e os glúteos.

Que tipo de toque provoca essa resposta de dor?
Rivera — Quando é aplicada uma força aproximada de quatro quilos. Para um ponto sensível ser considerado positivo à dor, o paciente deve declarar que a palpação efetivamente lhe causou dor, tendo em conta que “doloroso” não é o mesmo que “sensível”.

Mas pode se tratar de um trauma passageiro?
Rivera — Não é assim. Pacientes com dor generalizada e sensibilidade em pelo menos 11 dos 18 pontos e que sentem essa dor por um período mínimo de três meses sofrem de fibromialgia. O diagnóstico clínico da fibromialgia também não é descartado se o paciente tem um segundo distúrbio clínico — como de origem psiquiátrica, que podem ter efeitos físicos, como crises de pânico, ansiedade, depressão, anorexia nervosa, hipocondria, etc.

Pode ocorrer um diagnóstico de fibromialgia, no caso de algum outro problema?
Rivera — Em 2010, a Sociedade de Reumatologia dos Estados Unidos concluiu que, para confirmar o diagnóstico da fibromialgia, o paciente tem que apresentar três fatores:

a) Ter um índice de dor generalizada de 7 (em escala de 0 a 19) e índice 5, em escala de gravidade sintomática de 9 pontos; ou índice de dor entre 3 e 6, porém com escala de gravidade sintomática de 9 pontos;

b) Ter tido esses sintomas, na mesma intensidade, por pelo menos três meses;

c) Não ter algum outro problema que possa ser a origem da dor. A equipe médica deve fazer um diagnóstico diferencial, para descartar outras patologias que possam ser confundidas com a fibromialgia, como a polimialgia reumática, infecções virais, artrite reumatoide em fase inicial, déficit severo de vitamina D, tumores cancerosos malignos, entre outros.

A fibromialgia tem sintomas associados?
Rivera — Sim. Por exemplo, a fibromialgia pode causar embaralhamento do cérebro, que consiste em problemas de raciocínio e memória; dores de cabeça ou enxaquecas; hipersensibilidade à luz, aos sons, odores e temperatura; cólon e bexiga irritáveis; dor pélvica, dor na articulação temporomandibular (a articulação entre o osso temporal do crânio e a mandíbula, responsável pela função mastigatória).

Também podem ocorrer náuseas, parestesia (sensação de adormecimento e formigamento), perda do equilíbrio e infecções crônicas ou recorrentes, como sinusite ou infecção respiratória alta, a que afeta o trato respiratório superior (nariz, seios nasais, laringe, faringe).

Outros fenômenos que causam fatiga no paciente são os distúrbios do sono e a “síndrome das pernas inquietas”, que é, basicamente, sentir dor nas pernas durante a noite e fazer movimentos involuntários para tratar de aliviá-la, o que afeta mais frequentemente pessoas de meia idade e idosos.

Exames de laboratório podem ajudar o paciente?
Rivera — Ainda que não haja biomarcadores específicos para indicar a presença da fibromialgia, é útil pedir um hemograma completo, que inclua a velocidade de sedimentação globular e o nível de proteína C reativa. Esta se eleva quando há inflamação no organismo, ainda que não haja indicação de sua localização exata. Também convém pedir outros exames, como teste da função da tireoide, nível da vitamina D, painel metabólico completo, testes-padrão de detecção do câncer (antígeno específico da próstata, por exemplo). Um eletrocardiograma, em caso de fatiga extrema, assim como uma tomografia articular, se houver suspeita de sinovite, ou seja, irritação na membrana que cobre as articulações.

Se um clínico geral suspeita que um paciente tem fibromialgia, a quais especialistas deve encaminhá-lo, para confirmar ou não o diagnóstico inicial?
Rivera — Como os sintomas são tão variados, já que não há uma causa específica que desencadeia a fibromialgia, uma vez que não é possível diagnosticá-la por qualquer método laboratorial e clínico, ou radiográfico, é necessário dar ao problema um enfoque multidisciplinar, que inclua informações de reumatologista, especialista em medicina da dor e também psiquiatra ou psicólogo.

Como se trata a fibromialgia?
Rivera — Com terapia não farmacológica e/ou farmacológica. A terapia não farmacológica consiste em educar o paciente para melhorar sua atual condição de vida. Fazer exercícios de baixo impacto (aeróbico, natação) de forma regular, terapia física e terapia cognitivo-comportamental. Deve considerar ainda terapias que envolvem o corpo e a mente, como ioga, tai-chi ou qigong, meditação com respiração rítmica, terapias complementares, como massagens e acupuntura, trabalho criativo (arte, música, dança). Em suma, é preciso fomentar a própria capacidade de cada indivíduo de se recuperar física e emocionalmente, depois de um efeito contrário, traumático ou nocivo.

A terapia farmacológica considera antidepressivos tricíclicos, como amitriptilina e ciclobenzaprina; inibidores da recaptação da serotonina e norepinefrina, como duloxetina e milnacipran; inibidores seletivos da recaptação de serotonina (não há clareza com respeito a quais; há informações contraditórias); e agentes antiepilépticos, como pregabalina ou gabapentina, que ainda não foram aprovados pela FDA (órgão que controla a comercialização de medicamentos e alimentos nos EUA) para tratamento da fibromialgia.

TEXTO ORIGINAL DE DC