Flávio Gikovate, o psiquiatra que ajudava a enxergar as possibilidades da vida

Por Amanda Mont’Alvão Veloso

Em um país em que conhecimento é artigo de luxo, quem se dispõe a compartilhá-lo com acessibilidade certamente provoca revoluções pessoais e muitas vezes nem fica sabendo.

Este era Flávio Gikovate, psiquiatra, psicoterapeuta e escritor que morreu aos 73 anos na última quinta-feira (13), às 18h30, vítima de um câncer de pâncreas descoberto em abril deste ano. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Com linguagem simples, tom acolhedor e um olhar atento aos problemas cotidianos nas relações amorosas e ao comportamento sexual, Gikovate levava conhecimento pelo rádio, pela escrita e pela TV com a participação em programas como o Café Filosófico, da TV Cultura.

Desde 2007, ele tirava dúvidas de ouvintes no programa “No Divã do Gikovate”, com transmissão nacional aos domingos pela rádio CBN.

Os conselhos eram dados com simplicidade, calma e propriedade, vindos da experiência dele na clínica, como psiquiatra e psicoterapeuta: em 50 anos, mais de 10 mil pacientes deram a ele pistas sobre os contornos e nuances dos seres humanos.

Tal generosidade não passou despercebida: Mais de um milhão de exemplares de seus 34 livros foram vendidos, de acordo com o site do autor. Gikovate era uma referência popular, que trazia clareza a temas espinhosos, e realismo a idealizações dificilmente desconstruídas pela sociedade, como o amor romântico e o erotismo perante a rotina sexual.

Gikovate vai fazer muita falta, principalmente por sua inspiração, generosidade ao espalhar conhecimento e olhar carinhoso aos sujeitos. Dentre as inúmeras lições valiosas que ele deixou por meio de suas palavras, reunimos algumas. São fortes afirmações sobre a vida real, com suas cruezas e encantamentos:

1. Sobre pessoas com “gênio forte”

“O primeiro sinal de força de um ser humano reside na humildade de saber que não tem controle sobre as coisas que lhe são mais essenciais. Sim, porque este indivíduo aceitou a verdade. E isso não é coisa fácil de fazer, especialmente quando a verdade nos deixa impotentes e vulneráveis (…) As pessoas que não toleram frustrações, dores e contrariedades são as fracas e não as fortes. Fazem muito barulho, gritam, fazem escândalos e ameaçam bater. São barulhentos e não fortes – estas duas palavras não são sinônimos!”

2. Sobre as tensões familiares

“A existência de sentimentos hostis ou competitivos não impede a presença, concomitante, de admiração, amor e de todos se sentirem acolhidos. Temos que nos familiarizar com a ambivalência: presença de sentimentos antagônicos em relação a uma mesma pessoa; no seio familiar é a regra.”

3. Sobre mágoa

“Toda relação humana de respeito implica a necessidade de se imaginar o que pode magoar gratuitamente o outro. Nós nos tornamos inconvenientes e agressivos quando falamos coisas que os outros não estão a fim de ouvir. Quando as pessoas falam e fazem o que querem, sem se preocupar com a repercussão sobre o outro, é porque nelas predomina o egoísmo ou o desejo de magoar.”
Trecho extraído do livro Para ser feliz no amor – Os vínculos afetivos hoje

4. Sobre a dificuldade de dialogar

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5. Sobre a diferença entre a liberdade de pensar e a liberdade de agir

“O freio moral, que antes impedia a pessoa de ter pensamentos e desejos incompatíveis com as normas oficiais, agora deve regular só os atos. Ser livre para conviver com todos os nossos desejos e impulsos é um grande avanço: é experiência rica e que nos ajuda a nos conhecer melhor. Ser capaz de frear nossos impulsos agressivos, eróticos, invejosos… é algo que nos faz bem: gera uma sensação de domínio sobre nós mesmos!”

6. Sobre o efeito de ações na intimidade

“Ninguém tem o direito de exigir nada de ninguém, muito menos dos mais íntimos. Temos o direito e mesmo o dever de informá-los sobre os desdobramentos de seus atos: ‘quando você age dessa ou daquela maneira, isso provoca em mim tantas e tais sensações e emoções’. Se o outro quiser nos agradar certamente tenderá a evitar as condutas que nos entristecem. Se não for esse o caso, cabe a nós decidir se aceitamos ou não o convívio com essa pessoa.”
Trecho extraído do livro Para ser feliz no amor – Os vínculos afetivos hoje

7. Sobre as pessoas “sinceronas”

“Sermos honestos e sinceros não nos dá o direito de dizer tudo que pensamos. A franqueza pode ser prejudicial. Por exemplo, se uma pessoa, ao encontrar um amigo de rosto abatido, falar: ‘Puxa, como você está pálido! Até parece doente’, estará sendo sincera, mas tremendamente insensível. A verdade não subtrai o caráter agressivo da afirmação; pelo contrário o acentua. Na prática, acredito que uma boa forma de avaliar uma ação é pelo resultado. Se o efeito for destrutivo, a ação será nociva, independentemente da “boa intenção” daquele que a praticou.”
Trecho extraído da nota Quando falar é agredir

8. Sobre os valores da sociedade

Se nossa sociedade valoriza acima de tudo os que conseguem ter objetos caros, é claro que muitos tratarão de parecer mais ricos do que são. Muita gente tenta suprir a falta de efetiva condição financeira através da exibição de uma certa riqueza: aí “parecer” esconde o “não ter”.

Nos últimos anos, por efeito das redes sociais, além da vontade de “ter” bens caros e de “parecer” rico, as pessoas também querem “aparecer”. Por força das redes sociais, cresceu muito o exibicionismo: as pessoas querem mostrar como são felizes em contextos acessíveis a bem poucos!

As redes sociais, nas quais aparecem muitas fotos, criam condições favoráveis para que a aparência das pessoas prevaleça sobre sua essência. Hoje em dia, a escala de valores sociais começa no Ser, caminha para o Ter, sendo muito importante também Parecer e principalmente Aparecer!

9. Sobre padronização e intolerância à diferença

“Parece-me que as pessoas levaram mesmo a sério a ideia de que somos todos iguais e, portanto, devemos viver exatamente da mesma forma. E isso fica como uma espécie de reflexo condicionado, de modo que qualquer atitude divergente desperta na pessoa uma desconfortável sensação de angústia, de medo indefinido. A ideia de igualdade determinou, na prática, a padronização do modo de vida do casal, apesar de que as diferenças entre as pessoas são visíveis a olho nu. Parece evidente também que tal doutrina agrava a intolerância para os pontos de vista divergentes e a irritação diante dessa situação que, apesar da ideologia, é bastante comum.”
Trecho extraído da nota Pelo direito de ser diferente

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST






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