Não, doenças mentais não levam ao terrorismo
A man reacts in front of bouquets of flowers near the scene where a truck ran into a crowd at high speed killing scores and injuring more who were celebrating the Bastille Day national holiday, in Nice, France, July 15, 2016. REUTERS/Pascal Rossignol

Por Lindsay Holmes

 

 

Ainda temos um longo caminho a percorrer quando se trata de erradicar o estigma em torno da saúde mental.

Em um artigo publicado pelo The New York Times no começo deste mês, a professora de sociologia da Universidade de Boston Liah Greenfield argumentou que, para eliminar de forma eficaz os atos individuais de terror, a sociedade precisa lidar com as doenças mentais.

“Os índices de doenças mentais no Ocidente, especialmente os de depressão, são muito elevados e, de acordo com as estatísticas mais confiáveis, aumentam constantemente”, escreveu ela. “A menos que resolvamos este problema, teremos de aprender a viver com o terrorismo.”

Hum, como?

A implicação de que os “lobos solitários” serão um problema menor se cuidarmos de saúde mental não só é só uma afirmação mal-informada, como é incrivelmente estigmatizante. Isso porque doença mental não corresponde a comportamentos violentos.

Quase um em cada quatro indivíduos de todo o mundo será afetado por um problema de saúde mental em algum momento de sua vida.

É um número significativo – mas a maioria vai viver vidas normais e produtivas, com o tratamento adequado.

É claro que isso não quer dizer que alguns dos indivíduos que cometeram atos de terrorismo, como o ocorrido em Nice, França, em 14 de julho, não tinham problemas psicológicos – mas, a menos que tenham sido diagnosticados clinicamente, nunca saberemos com certeza.

Estatisticamente, é improvável que alguém com problema de saúde mental vá cometer um crime violento. Apenas de 3% a 5% dos atos violentos podem ser atribuídos a pessoas com doença mental grave. Na verdade, quem sofre de doença mental tem maior propensão a ser a vítima.

Como suposições sobre violência podem ser prejudiciais

Greenfield, autora de Mind, Modernity, Madness: The Impact of Culture on Human Experiencee (Mente, Modernidade, Loucura: o Impacto da Cultura na Experiência Humana, em tradução livre), disse que seu objetivo era realçar o problema crescente da doença mental e como a sociedade contribui para isso.

Em um comentário para o The Huffington Post, ela disse que a maioria das pessoas com doença mental não comete crimes violentos e, quando o fazem, geralmente é por meio de automutilação. Mas um ato violento contra os outros poderia ser cometido por alguém com problemas de saúde mental, disse ela.

“Deve-se sempre ter em mente que essa é uma possibilidade”, disse ela. “Para impedir atos terroristas cometidos por lobos solitários, temos que cuidar da doença mental.”

É aí que está o problema. A intenção de Greenfield é reduzir o estigma e criar um entendimento melhor em torno da saúde mental – o que é necessário e admirável em uma plataforma pública como o The New York Times. Mas a execução é questionável.

Uma declaração genérica dessas não tira o estereótipo negativo em torno da saúde mental. Pelo contrário, ajuda a perpetuá-lo. Claro que alguém com uma doença mental poderia cometer um desses atos violentos. Mas o mesmo vale para as pessoas que não têm histórico de transtornos de saúde mental.

“As implicações de fazer uma suposição como essa são potencialmente profundas”, disse ao The Huffington Post Gregory Dalack, presidente do departamento de psiquiatria da Universidade de Michigan.

“Ela incentiva o público a igualar violência com doença mental, quando sabemos que a grande maioria daqueles que cometem atos violentos não são doentes mentais, e a grande maioria das pessoas com doença mental não se comporta de maneira violenta.”

Esse tipo de suposição também cria a falsa percepção de que distúrbios de saúde mental são uma espécie de falha de caráter. Isso pode retardar a recuperação ou até mesmo impedir as pessoas de procurar ajuda, diz Dalack.

As pessoas que lutam contra doenças mentais podem ter medo de falar sobre seus problemas de saúde mental para profissionais médicos, amigos ou família. Elas podem demorar ou até mesmo evitar a procura por tratamento, com medo de serem julgadas
“As pessoas que lutam contra doenças mentais podem ter medo de falar sobre seus problemas de saúde mental para profissionais médicos, amigos ou família”, ele explica. “Elas podem demorar ou até mesmo evitar a procura por tratamento, com medo de serem julgadas.”

O padrão infeliz de culpar a doença mental

Essa não é a primeira vez que alguém faz esse tipo de insinuação. Após o assassinato de dois jornalistas do Estado da Virgínia, no ano passado, o candidato presidencial republicano Donald Trump disse que o incidente não foi “um problema de arma, mas sim um problema mental ”.

A mesma lógica também foi usada pelas autoridades que investigaram o acidente com um avião da empresa Germanwings, no início de 2015.

A mídia também não é totalmente inocente. Um estudo recente da Universidade Johns Hopkins indica que mais de um terço das notícias sobre a doença mental associa os distúrbios com violência para com as outras pessoas, o que não reflete com precisão as taxas reais de violência interpessoal envolvendo alguém com doença mental.

“Generalizações sobre um grupo específico de pessoas, como aqueles com doença mental, são preocupantes porque podem fazer com que esse grupo seja pré-julgado e discriminado”, disse Dalack.

Se a nossa intenção coletiva é defender uma maior aceitação, precisamos fazê-lo sem promover a falsa noção de que a doença mental é causa de comportamento violento. Porque, no seu conjunto, ela não é. E é justamente graças a esse tipo de atitude que ainda temos uma visão tão negativa das doenças mentais.

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST






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