O mecanismo cerebral que explica o ‘déjà vu’

Por Jaime Rubio

A maioria de nós alguma vez experimentou um déjà vu, a sensação de reconhecer uma experiência como se já a tivéssemos vivido antes, mesmo sabendo que é a primeira vez que a vivemos. Entretanto, apesar de ser tão comum, ainda não está claro o que causa esta sensação. Akira O’Connor, psicólogo e neurocientista da Universidade de Saint Andrews (Escócia), nos explicou sua teoria por email: seria um mecanismo que usa o cérebro para comprovar que nossa memória está funcionando direito.

O’Connor fez ressonâncias magnéticas em 21 participantes de um estudo que foram induzidos a situações de déjà vu. O previsível era que fossem ativadas as áreas cerebrais dedicadas à memória, como o hipocampo, mas o que se viu foi um maior funcionamento das partes dedicadas à tomada de decisões. É a primeira vez que cientistas submetem uma pessoa experimentando um déjà vu a esse exame, relatou O’Connor ao EL PAÍS. Ele apresentou os resultados na Conferência Internacional da Memória, realizada em julho do ano passado em Budapeste.

Na opinião dele, os resultados do estudo indicam que o déjà vu ocorre quando as regiões frontais do cérebro estão revisando nossas lembranças em busca de algum tipo de erro na memória, o que provocaria esse conflito entre a sensação de recordar algo e o fato de sabermos que não temos como ter vivido esse momento antes.

O cérebro “tenta resolver o conflito” e “o atribui a sinais errôneos da memória”: “Notamos uma estranha inconsistência em nossas lembranças, mas continuamos nossa atividade normalmente, sem modificar nosso comportamento”. Ou seja, não deixamos de fazer o que estamos fazendo só porque achamos que já fizemos antes.

Há pessoas com mais tendência ao déjà vu?

O cientista diz que sim, “mas não sabemos o porquê”. Pode ser que “algumas pessoas tenham uma menor tendência a detectar falhas em suas lembranças”. Se o cérebro não detecta essas falhas, pode ser porque seu sistema de comprovação não está funcionando tão bem quanto deveria, o que poderia provocar erros na hora de recordar acontecimentos. Mas também poderia significar justamente o contrário: que sua memória erra pouco.

Além disso, “há certas situações mais associadas ao déjà vu. Dormir pouco é uma delas. Também influenciam algumas condições concretas, como a epilepsia, a psicose provocada por anfetaminas e também o efeito de certos medicamentos”.

Outro aspecto interessante é que “os déjà vu tendem a diminuir com a idade”. É possível que o cérebro vá calibrando sua percepção das lembranças em busca de possíveis falhas à medida que vai se desenvolvendo. Também poderia significar que se torna muito mais difícil detectar falhas com a idade. Como esclarece o próprio O’Connor, “é importante deixar claro que isto é puramente especulativo”, embora esta hipótese seja compatível com os resultados do seu experimento.

Pode ser um problema?

Sim, quando são muito frequentes. “Algumas pessoas experimentam déjà vu problemáticos”, e os sofrem de modo persistente, diz O’Connor. Algumas padecem de algum tipo de demência, mas em outros casos “não há razão aparente”.

O pior é que “não parece que isso possa ser tratado, embora esse aspecto não tenha sido estudado em profundidade. Parte do problema é que é muito difícil acessar essas pessoas para pesquisar de modo sistemático o que funciona e o que não”.

Não é fácil viver assim: o psicólogo Paul Reber fala na Scientific American sobre um artigo que compilava a experiência de duas pessoas com “uma sensação persistente e recorrente de déjà vu”, tão intensa que “se negavam a ler o jornal ou a ver televisão, porque sentiam que já tinham visto tudo antes”. Também tinham problemas ao fazer compras, pois achavam que já tinham adquirido os produtos necessários em outro momento. “Os pesquisadores descobriram que essas pessoas tinham lesões nas regiões temporais e frontais”, que são as que aparecem ativadas nas ressonâncias de O’Connor em pacientes sãos.

Como os déjà vu são estudados em laboratório?

Para induzir à sensação de déjà vu, O’Connor e sua equipe liam aos indivíduos uma lista de palavras relacionadas, como cama, travesseiro, noite, sono… Mas não a palavra que unia todas elas – neste caso, dormir. De fato, se nestas circunstâncias se perguntasse aos participantes se acreditavam tê-la ouvido, muitos teriam a falsa lembrança de que sim.

Mas o que O’Connor fazia era lhes perguntar se tinham ouvido alguma palavra que começava pela letra D, ao que eles respondiam que não. E depois lhes perguntava se tinham ouvido a palavra dormir. Os participantes estavam conscientes de que não podiam tê-la escutado (pois começa por D), mas ao mesmo tempo lhes parecia muito familiar.

Um problema desses métodos, explica O’Connor, é que “os participantes frequentemente dizem aos pesquisadores o que queremos ouvir, que geramos um déjà vu, em vez do que seria uma melhor representação da situação, que geramos algo que se parece com o déjà vu”. Ou seja, “não é um déjà vu real, e sim um análogo experimental que os participantes afirmam provocar uma sensação similar ao déjà vu”.

Outras teorias

A teoria de O’Connor não é a única a respeito das causas do déjà vu, embora seja a mais recente. Na verdade, a maioria desses estudos nem sequer são mutuamente excludentes, como se explica neste outro artigo da Scientific American. A sensação pode ser causada porque os indivíduos acreditam recordar uma imagem que é moderadamente similar a um amplo número de eventos armazenados na memória, ou mesmo porque há um único elemento que nos parece familiar em um contexto totalmente novo. Outra possibilidade é que a cena nos pareça semelhante a outro momento que recordamos vagamente e ao qual não prestamos muita atenção quando o vivemos.

TEXTO ORIGINAL DE EL PAIS

Imagem de capa: Shutterstock/Shirstok






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