O medo que o medo dá.

Por Marina Dantas

“…El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor…”

“Miedo” – Lenine & Julieta Venegas

Evitar pensamentos e fugir de sentimentos desagradáveis pode parecer um modo efetivo de lidar com as situações. Mais do que isso, somos incentivados a buscar situações que envolvam estados de felicidade e sensações de prazer. É inegável o fato de que acontecimentos do nosso dia a dia – isso inclui a interação entre pessoas e eventos, que produzem sensações e sentimentos – passam a influenciar e adquirir controle sobre o modo como enfrentamos situações atuais e futuras. Mas até que ponto é emocionalmente saudável evitar nossos sentimentos?

Vivemos numa cultura que, por meio da linguagem, alcançou o poder de construir e alterar o real significado daquilo que experienciamos e sentimos. Estar feliz, ser bem-sucedido no trabalho, constituir uma família, ser inteligente, estar em forma, ter muitos amigos e adquirir bens materiais da modernidade, são alguns dos exemplos do que é valorizado pela mídia e pela sociedade nos dias atuais. Assim, apenas os valores, experiências e sentimentos pessoais classificados pela cultura como “bom” e/ou “positivo” proporcionam reconhecimento social. Do contrário, essas vivências podem ser julgadas como inconvenientes e invalidadas pelos grupos dos quais pertencemos.

Quando o indivíduo expõe os seus valores e experiências e estes são punidos e/ou invalidados pelo ambiente, inevitavelmente uma série de sentimentos “negativos” são eliciados. A depender da intensidade e aversividade da situação, o indivíduo pode passar a se comportar de modo a evitar estas e quaisquer outras novas situações que possam colocá-lo novamente em contato com as sensações e os sentimentos indesejáveis que experienciou. Ao agir desta maneira, ele pode se afastar daquilo que é importante para sua realização pessoal (objetivos, valores e sentimentos), respondendo de modo generalizado às situações e perdendo assim a oportunidade de entrar em contato com experiências positivas e agradáveis, que poderiam proporcionar consequências reforçadoras.

A tendência a agir desta forma é um fenômeno compreendido como Esquiva Experiencial: quando nos deparamos com sinais que remetem a situações que foram aversivas e proporcionaram experiências de sofrimento, tendemos a fugir do sentimento evocado ou mesmo da própria situação.

Veja no link a seguir um vídeo explicativo sobre o fenômeno:

Para compreender melhor de que forma o indivíduo aprende a agir a partir de suas experiências com o mundo é preciso atentar-se para a gênese dos fenômenos de ansiedade. Podemos aprender por contato direto com as contingências (experienciando o fenômeno), por comportamento verbal (via regra / experiência do outro) ou por modelação (a partir de um modelo). Vamos a cada uma delas: quando a aprendizagem se dá a partir da experiência (sejam boas ou ruins), falamos em contato direto com as contingências.

Imaginemos uma situação que envolva sofrimento, como é o caso do fim de um relacionamento. Neste caso, via condicionamento operante, a condição de fim do relacionamento evoca sentimentos negativos: tristeza, sofrimento, decepção, etc. A experiência de perda – e os decorrentes sentimentos desagradáveis – embora sejam desencadeados pelo término do relacionamento, estão relacionados também a um espectro mais amplo de eventos, que envolve todo o processo de envolvimento afetivo, construção da intimidade e posterior fracasso de um projeto cujo resultado é diferente do previsto.

Por isso, agora, a sinalização ou condição de situação que sinalize “namoro” pode adquirir também significação (função de estímulo) aversiva, de modo que o indivíduo tenha medo de enfrentar ou lidar com a situação – e muito provavelmente evite esta condição.

Há ainda as condições em que o indivíduo não precisa passar pelas consequências do evento para aprender a evitá-lo. O evento pode adquirir função aversiva via enquadramento relacional[1], como quando alguém muito próximo vivencia e relata sobre o fim de um relacionamento. Neste caso, o evento mesmo adquire a função aversiva de modo indireto.

As consequências geradas a partir da situação considerada como aversiva foram vivenciadas por outras pessoas, mas como ele já viveu experiências que produziram sensações corpóreas ruins, sentimentos de insegurança, medo, tristeza e chateação, ele pode, via comportamento verbal (o relato do outro) e do responder relacional, empatizar com a vivência do fim do relacionamento da outra pessoa e, a médio ou longo prazo, apresentar respostas de fuga-esquiva perante novas experiências amorosas. Neste caso, os sentimentos de medo/ansiedade parecem não ter uma causa ou origem específica identificável nem mesmo para o próprio indivíduo, que passa a evitar situações que sinalizem “perigo”.

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Diante deste tipo de situação é importante que, juntamente com a ajuda de um profissional, o indivíduo seja capaz de identificar seus medos e ansiedades. Espera-se ainda que ao falar sobre situações que no passado ou no presente geraram medo, angústia e ansiedade, o indivíduo passe a aceitar esta condição, lidando com os sentimentos dos quais fugiu e mesmo assim se dispondo a se expor a novas condições. Só assim terá a possibilidade de construir novas experiências e produzir consequências reforçadoras que o mantenha com vontade de “querer mais”.

Todos estão em condições vulneráveis por não terem controle sobre o comportamento dos outros e muito menos por não terem controle sobre o que sentimos a partir dessas relações. Sentimentos tais como o medo e a tristeza são alguns dos muitos que podem ser produzidos e, nesta condição, um pouquinho de medo (ou muito, às vezes) faz parte da vida. O que não pode acontecer é deixar-se dominar pelo medo e a tristeza e perder a oportunidade de entrar em contato com tanta coisa boa que existe por aí!

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[1] Para saber mais sobre o processo de enquadramento relacional consultar as referências.

 

Referências

Luciano Soriano, M. C., Gutiérrez Martínez, O. y Rodríguez Valverde, M. (2005). Análisis de los contextos verbales en el trastorno de evitación experiencial y en la terapia de aceptación y compromiso. Revista Latinoamericana de Psicología, 37, 333-358.

Perez, W. F., Nico, Y. C., Kovac, R., Fidalgo, A. P., & Leonardi, J. L. (2013). Introdução à Teoria das Molduras Relacionais (Relational Frame Theory): principais conceitos, achados experimentais e possibilidades de aplicação. Revista Perspectivas, vol. 4(01), pp. 32-50.

Imagem de capa: Shutterstock/ra2studio

TEXTO ORIGINAL DE COMPORTE-SE






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