Precisamos aprender a ficar sem fazer nada

Por Michele Muller

Durante toda a minha infância, as férias começavam e terminavam com uma viagem de dez horas. No trajeto até a casa da minha avó, geralmente feito de carro (de ônibus demorava ainda mais), eu me ocupava com os próprios pensamentos, ilustrados pela monótona paisagem que via da janela do banco de trás.

Era só o começo de um longo período longe de amigos e de estudos, em que o tempo era lento e permitia o exercício da contemplação, da leitura e de infindáveis conversas interiores. Ficar sem ter o que fazer nunca era um problema.

Hoje nem consideramos fazer uma viagem com crianças sem levar um tablet ou outro eletrônico que as mantenha entretidas por um tempo razoável. Se a viagem for longa, nos precavemos da inquietação dos filhos fazendo download seus filmes e jogos preferidos – de preferência vários, para não correrem o risco de enjoar dos recursos. Ganhamos tantas formas de combater e de proteger os filhos contra o tédio que ele se tornou um desconhecido, temido e evitado a qualquer custo.

Desconfiados de que estamos perdendo a capacidade de nos entretermos com os próprios pensamentos, pesquisadores da Universidade de Virgínia fizeram uma série de onze experimentos em que participantes precisavam ficar entre seis e quinze minutos sem acesso a nenhuma distração. Em todos eles, a maioria das pessoas relatou uma dificuldade grande em cumprir a tarefa. Nos experimentos feitos em casa, 32% admitiram ter trapaceado e consultado o telefone ou outro aparelho no período em que deveriam estar sem distrações.

Um dos estudos da série revelou um resultado ainda mais surpreendente e desconcertante. Nele, foi dada aos participantes a opção de apertar um botão enquanto estivessem sozinhos. O resultado desse ato seria um dolorido eletrochoque, que todos precisaram experimentar antes de vivenciar os minutos de tédio.

Para a surpresa dos pesquisadores, mesmo entre aqueles que, antes do experimento, disseram que pagariam para não sentir novamente o choque, um quarto das mulheres e dois terços dos homens acabaram apertando o botão – alguns inúmeras vezes – para escapar da opção aparentemente mais insuportável de não ter nada para fazer.

O estudo é um exemplo extremo de uma dificuldade que, ao que tudo indica, está se acentuando. O fator que imediatamente associamos a isso é a tecnologia e suas constantes notificações, que nos colocam em alerta e nos oferecem pequenas e contínuas gratificações.

Não há dúvida de que os smartphones contribuem para tornar o tédio mais dolorido que um eletrochoque. Mas não são os causadores dessa ânsia por estímulos – apenas alimentam esse traço da natureza humana, privando adultos e crianças do exercício muitas vezes desconfortável da introspecção.

O distanciamento das pessoas dos momentos que exigem reflexão e controle sobre os próprios pensamentos e das atividades que demandam um tempo prolongado de atenção concentrada é um fenômeno inegável.

Estudos indicam que o tempo de atenção dedicada a informações disponíveis na rede está caindo: entre 2000 e 2015, passou de 12 para 8,25 segundos, de acordo com Statistics Brain. Atualmente, apenas 4% das visualizações em páginas da internet duram mais de dez minutos – o tempo razoável para que um texto que se aprofunde um pouco em um determinado assunto seja lido até o fim.

Essa impaciência provoca inevitáveis prejuízos na aprendizagem e na produtividade: o mesmo levantamento mostra que, enquanto trabalham em seus escritórios, profissionais checam seus e-mails nada menos que 30 vezes por hora, em média.

Hoje, segundo o neurocientista Daniel Levitin, autor de A Mente Organizada, absorvemos por dia uma quantidade cinco vezes maior de informações que há 30 anos. Sem a capacidade de selecionar os fatos de acordo com sua relevância e aplicabilidade, de analisá-los, refletir e fazer associações pertinentes, eles se mantêm no campo raso das ideias que não se transformam em conhecimento e logo são apagadas.

Para que tenham destino mais nobre e ajudem a construir sabedoria, as informações necessitam de recursos que a busca frenética por novidades e estímulos está tornando escassos: tempo e atenção.

Sem a prática desconfortável e muitas vezes entediante da reflexão, até mesmo um bom livro pode resultar em um ensinamento superficial e impermanente. Estar sozinho e desligar os aparelhos, meditar, contemplar a natureza ou ficar sem fazer nada são formas de exercitar o domínio sobre os próprios pensamentos e atenção.

Mais que preparar a mente para o sucesso na aprendizagem, na realização de tarefas que demandam tempo maior de concentração e na compreensão dos eventos externos, essas práticas nos colocam em contato com o mundo interior.

A introspecção pode despertar a dor da melancolia e nos colocar frente a frente com nossas fraquezas e inseguranças. Mas sem ela jamais alcançaremos o autoconhecimento – caminho único para a realização pessoal e para o sucesso em qualquer relacionamento.

Imagem de capa: Shutterstock/YUTTANA HONGTANSAWAT

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST






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