“Toda mulher sonha em ter filhos.” Que?!

Difícil dizer em que momento ficou estabelecido o padrão de que mulher só é completa se gerar um filho. Mesmo assim, muitas mulheres perdem noites e noites de sono pensando nisso – quiçá mais do que as necessárias para cuidar de um bebê.

As dúvidas que surgem com o sentimento de obrigação de ser mãe são muitas: filho é a etapa natural depois do casamento? Ele vai garantir companhia para quando eu ficar velha? Só deveria pensar em filhos depois de casar? Estou preparada para abrir mão de parte da minha vida – e da minha carreira – para criar uma criança? E, mais importante: eu quero esse bebê ou é isso que os outros esperam de mim?

A resposta para todas essas perguntas é: calma. Melhor do que tentar suprir expectativas (suas, de sua mãe, de suas amigas, do seu marido) é tirar o peso dessa decisão. Mesmo na sociedade do “pode tudo”, em que as mulheres trabalham, sustentam casas, se separam se não estão satisfeitas no casamento, vivem solteiras se assim quiserem e blá-blá-blá, a maternidade é tratada como se fosse a única possibilidade de a mulher se tornar plenamente realizada.

A psicanalista Cecília Faria, professora doutora da Faculdade de Psicologia da PUC- SP, discorda. “Não é nem nunca foi preciso ter filhos para ser feliz. Existe uma mística em volta da maternidade que vem sendo alimentada há muito tempo. Nas últimas décadas, parte da medicina focou em desenvolver meios para que as mulheres com dificuldade para engravidar conseguissem realizar esse sonho, e isso reforça a necessidade de a mulher gerar uma criança”, opina. Claro que os avanços da medicina são bem-vindos, aumentando a possibilidade de ser mãe – mas o desejo só é válido se for genuíno,particular, e não de quem segue um padrão sem se questionar. Não ter filhos não faz ninguém ser “menos mulher”.

Para a psicóloga Cecília Faria, a cobrança social em torno da maternidade vem das próprias mulheres basicamente porque o relógio biológico não é um mito, mas uma condição fisiológica. “A menstruação é uma frustração mensal. O sangue reforça a ideia de que a mulher não conseguiu alcançar o que seu corpo esperava dela. Quando ela atinge uns 35 anos, o corpo grita para que complete aquela etapa”, afirma.

Tempo integral

Além disso, existe a expectativa social, para a qual chama a atenção a psicanalista Diana Corso, autora de Fadas no divã. “Na revolução industrial [no século 18], com o surgimento da burguesia, as mulheres agregaram à função de geradoras, a de criadoras. Então, mesmo que dentro de casa, a mulher ganhou um papel social: é a que cuida, organiza, abnega, e que se realiza com tudo isso.” Para ela, o fato de hoje existir uma liberdade para fazer as escolhas que quiser faz com que a mulher acabe se perdendo. Na opinião de Cecília, a frustração feminina é causada em parte pela sociedade, que, apesar de incentivar as mulheres a serem mães, não facilita o papel de quem escolhe ter carreira e filhos. “A sociedade está preocupada com produção, somente. Tanto que as mulheres que trabalham e engravidam precisam ser amparadas por lei para poder ficar cuidando de seus filhos.”

O melhor antídoto para lidar com tanta expectativa é entender que, seja qual for a escolha, nada vai garantir felicidade plena – tampouco transformar a vida num caos. A seguir, cinco mulheres que optaram por diferentes caminhos contam como descobriram, com ou sem a maternidade, que não é possível ter nem controlar tudo. No fim das contas, a tentativa de “acertar” (seja lá o que isso signifique) se mostra inútil. Escolha nenhuma livra ninguém de conflitos, medos, dúvidas, vazios. Nem ter – ou deixar de ter – filhos.

Hoje, nunca mais

Isabel Moreira, 40 anos, sempre quis ter uma família e, por consequência, ser mãe. “Adoraria ver a minha projeção andando por aí, porque filho é uma projeção, né?”, diz. “Careta” assumida, ela explica que sempre atrelou a ideia de filho a uma família completa. “Não tenho nada contra quem faz produção independente, mas cresci em uma família muito ausente, pouco estruturada, e decidi que, se fosse para ter um filho, seria com alguém legal que topasse formar um núcleo presente.” Só que a “conjunção astral” de período fértil, pessoa legal e vontade de ser mãe não aconteceu. Bel foi casada durante nove anos (está separada há oito meses, por razões que nada têm a ver com maternidade, ou a falta dela) e sentiu o relógio biológico bater forte dos 30 aos 35 anos.
“Eu quis muito. Queria a família Doriana, que nem esses adesivos de carro que têm a mãe, o pai, os dois filhos, o cachorro e o gato. Só que, quando comecei a falar do assunto, meu marido foi categórico: ‘Ó, se você quiser ter filhos, não é comigo que isso vai acontecer’.”

Foi difícil para a produtora, que foi aconselhada pelas amigas a aproveitar uma noite de bebedeira do marido para “esquecerem” da camisinha. “Mas isso ia contra a minha vontade de só ter um filho se fosse numa situação legal”, explica. Ficou com isso na cabeça durante sete anos, se perguntando se estava disposta a abrir mão daquela vontade, até que se deparou com uma foto do filho recém-nascido de um ex-namorado. “Não fiquei chorosa, pensando ‘poderia ter sido eu’. Não senti nenhum vazio e foi ali que saquei que realmente não preciso de um filho”, explica. Bel sabe, porém, o peso que isso teve em sua vida – principalmente para os outros.

“O problema é que as pessoas não aceitam isso. No começo até falava mais sobre o assunto. Depois, parei de me explicar. Não devo nada a ninguém.” Isso não quer dizer, no entanto, que ela esteja isenta de julgamentos. Depois da fase do “e aí, quando vem o de vocês?”, ouvido em almoços em família e chás de bebê – a que ela faz questão de ir, porque adora crianças –, agora Bel é vista quase como uma ameaça.“É como se eu não valesse nada porque não tenho filho. Não sei o que é amor, não sei o que é cuidar de outra pessoa, me doar… E, ao mesmo tempo, acham que minha vida é perfeita, que não tenho problemas.

Não sou a pessoa mais feliz do mundo e nem com tempo sobrando só porque não tenho filho. Mas também não acho que vou morrer sozinha só porque não tem alguém para me amar incondicionalmente. Acho ruim projetar na criança um buraco seu”, provoca.

O mundo não acabou

“Se tiver um filho não posso mais morrer!”, pensava a diretora de arte Lucia Farias, 31 anos, quando engravidou de Alice. A ideia de ser mãe representava para ela o máximo da perda de liberdade. Por isso, não ter filhos era uma decisão pensada com o marido, um fotógrafo com quem está desde 2001. “Não cabia um filho na minha vida”, explica ela, que nasceu no Rio Grande do Sul e mora em São Paulo há uma década. Só que um dia o casal não usou preservativo e, semanas depois, ela viu o sinal de positivo no teste de farmácia. “Pensei: ‘Fodeu!’. E senti raiva”, lembra. Decidiu abortar – nem quis ouvir o coraçãozinho do bebê na consulta para não mudar de ideia. Mas se assustou quando soube dos riscos do procedimento, como uma possível hemorragia e ruptura do útero. “Pensei que, se acontecesse algo comigo, o sofrimento que geraria seria maior do que o de ter um filho. Então, decidimos seguir.” E, já que era para ter, ela fez questão de receber a filha em um parto natural (sem anestesia).

Hoje, três anos depois, Lucia não tem mais tanto tempo para elucubrações. “A realidade é mais leve do que ficar imaginando como seria. É um dia por vez. Vamos lidando com os desafios à medida que aparecem. Hoje, tenho um ser com quem me ocupar, dedicar energia, tempo.” E uma ansiedade que sempre a acompanhou na vida está mais light desde a chegada de Alice. “Tomo atitudes mais pensadas, estou menos crítica”, avalia. Agora, o que importa para ela, acima de tudo, é o bem- estar de Alice. Desde bebê, leva a menina do escritório a festas na casa de amigos. E isso comprova o que ela considera sua grande descoberta pós-maternidade: “Sou a mesma Lucia, não mudei minha vida”.

Ela também descobriu que o marido é um paizão que divide as tarefas desde que a mulher voltou a trabalhar. Com ele, Lucia começou a frequentar um pediatra que até hoje os ajuda a dissolver conflitos sobre a educação da filha – o que evita as típicas brigas de casais que levam à separação muitas famílias. “Às vezes quero obrigar a Alice a comer, e o pai não, então conversamos com o pediatra. Em muitos casos, a conclusão é que cada um tem o seu jeito de lidar e é preciso respeitar as diferenças”, conta. Na parte que lhe toca, ela está tranquila. “Mesmo sabendo que um dia vou morrer, fico feliz por estar criando um ser humano da melhor maneira que posso!”, comemora.

Mãe, eu?

Aos 22 anos, Alessandra, uma menina do interior de Minas Gerais, decidiu ganhar “a cidade grande”. Partiu para São Paulo e, enquanto aprendia o ofício de manicure, se descobriu grávida do namorado. “Ele era uma pessoa difícil, aparecia quando queria e eu aceitava”, admite. E não sentiu a alegria que costuma ser associada à maternidade.

“Aquele filho significava parar tudo o que estava fazendo e voltar para Minas”, diz ela, que logo decidiu abortar. Na primeira consulta médica descobriu que o feto já tinha quatro meses. “Mesmo assim perguntei sobre um aborto e o médico disse que ninguém faria”, lembra. “Primeiro fiquei desesperada, depois brava comigo e com o pai, que, se fosse mais presente, poderia me ajudar na decisão. Passei duas semanas usando roupas largas para esconder a barriga.” Passado algum tempo, Alessandra assumiu que não queria aquele filho. “Não estava preparada.” Sem saber o que fazer, pediu ajuda a uma amiga, quetinha uma história de adoção na família. Acabou chegando a uma agência onde o processo é feito de forma ilegal, sem consentimento ou parecer do Estado. O casal interessado no bebê de Alessandra deu suporte financeiro e psicológico até o fim da gravidez, o que ela reconhece ter sido imprescindível para que o processo ficasse um pouco mais fácil. Mesmo assim, assume que foi a coisa mais difícil que já fez.

“Não é fácil entender que seu filho, que cresceu na sua barriga, vai ser mais feliz com outras pessoas”, diz. Ela lembra que era difícil ter aquele barrigão, as colegas perguntando o sexo e o nome, e ela sem saber o que dizer. “Para os desconhecidos, criava uma história, que estava casada e que ia parar de trabalhar para criar o nenê.”

Com o fim da gravidez, os sonhos deram lugar à realidade. Alessandra teve parto normal e pouco contato com a criança. A mãe adotiva tinha tomado hormônios para produzir leite e foi quem o alimentou desde o nascimento. “Foi muito dolorido voltar pra casa sem o bebê. Passei mal, queria conversar com alguém, mas não podia. Para piorar, acabei mudando de emprego e de casa para garantir que o mínimo possível de pessoas soubesse o que tinha acontecido. Uma semana após o parto, me vi sozinha, com o corpo inchado e sem bebê. Foi a pior semana da minha vida. Sofro até hoje por não poder contar isso a minha família. Eles não entenderiam – minha mãe não falaria mais comigo. Imagina passar pelo maior trauma da sua vida e não compartilhar?”

Hoje, depois de sete anos de muita terapia, Alessandra entendeu que não se arrepende da sua decisão, mas sim de não ter condições de proporcionar a vida que queria para a criança. Mesmo sete anos depois, o assunto ainda é a pauta de 70% das sessões com a psicóloga. Alguns traumas, porém, já foram superados. “Sei que minha vida e a dele são muito melhores por isso. Não tenho a sensação de que é meu filho que está por aí porque mãe é quem cria. Se eu resolvesse procurá-lo, ele seria o filho de outra pessoa”, desabafa. Mas Alessandra ainda alimenta o sonho de ser mãe. “Acredito que vou achar um homem para casar e formar uma família direito”, aposta.

* O nome é fictício para proteger a identidade da entrevistada

Três de uma vez

A empresária Ieda Cotrim, 40 anos, estava casada há cinco quando o filho da mesma idade pediu um irmãozinho. “Um estava bom, mas topei engravidar de novo.” No primeiro ultrassom, surpresa: três corações pulsavam em seu ventre. “Achei que fosse piada.” Saindo do consultório, ela e o marido sentaram na calçada e se olharam. “Falei: ‘Agora vamos ter que ficar juntos mesmo’”, conta.

A ironia está no fato de que Ieda frequentava academia e praia desde a adolescência e estressava sempre que via uma celulite. Além disso, sempre gostou “de coisa boa”, e o padrão financeiro da família estava em ascensão. Porém, pelos oito meses que se seguiram, nada mais importava. “Pensei que daria para ter uma babá, mas quando os bebês chegaram vi que precisava de duas em tempo integral.” Só que, quando as candidatas se deparavam com as planilhas nos berços (lembrando a hora que cada um havia sido trocado e alimentado) e com o serviço triplicado, fugiam – às vezes no mesmo dia.“Passaram umas 30 pessoas pela minha casa. Toda noite, eu ajoelhava e perguntava: ‘Quando terei minha vida de volta?’.”

Ieda conta que mal dormiu ou olhou para o marido por dois anos. Enquanto ele tocava a joalheria que eles abriram em São José dos Campos, onde moram, no interior paulista, ela trocava fraldas e amamentava crianças em série, preparava comida e colocava o trio para dormir. O tempo também passava para Pedro, o primogênito. “Perdi uma parte do crescimento dele. Sinto falta de ter visto ele ser alfabetizado”, lembra ela. “Queria ter feito lição de casa com cada um, mas não dá quando se tem três de uma vez. Fiz o melhor que consegui”, pondera. Ela reconhece como maior aprendizado ter tirado o foco dos pequenos problemas que antes a desestabilizavam.

“Hoje não me importo se engordo 2 quilos ou se vejo uma celulite. Meus filhos valem muito mais que isso, e aprendi a me aceitar como sou.”

Ela também sabe que o padrão de vida da família estaria mais alto se não tivesse tido mais três filhos, “mas o que importa é que eles estão bem”, garante. Hoje, os trigêmeos (Eduardo, Flavio e Caio) estão com 8 anos, o mais velho, com 13, e ela não troca por nada a satisfação de ver a mesa cheia. Agora se prepara para a adolescência de Pedro. Mas não abre mão do tempo que tem para o marido, os amigos, as viagens e para si.

Família margarina?

Casar e ter filhos era o sonho da artista plástica Bianca Rego, 29 anos. Aos 21, ela realizou a primeira parte: casou-se, com um publicitário, e quis engravidar três anos depois. “Todo mês comprava teste de farmácia antes de a menstruação atrasar. Uma piração”, lembra. A fase durou um ano. Até que resolveram ir ao médico. Mas não chegaram à consulta: foi só desencanar para descobrir que estava esperando Theo. Nas palavras dela, a gestação foi “mágica”. Ao contrário do que se queixam muitas mulheres, o pai da criança embarcou na gravidez desde o início. “Minhas amigas contam que os homens só se veem como pais quando o bebê nasce. Mas o meu marido sentia até enjoo comigo. Era ótimo porque tinha com quem compartilhar”, diz.

O efeito colateral, porém, era se irritar em momentos em que ele, por exemplo, falava para a médica que a mulher não havia se alimentado como deveria. “Eu tinha feito o que ele estava dizendo que não fiz, só que meu marido não tinha visto e falava com a médica algo que eu devia falar”, lembra. Hoje, Theo tem 4 anos e os dois entenderam que é fundamental cada um ocupar seu papel na educação. “Tem momentos em que a criança só quer a mãe, quando está doente ou tem pesadelo, por exemplo. Se o pai quiser participar vai atrapalhar”, afirma. Embora se sinta realizada com a maternidade e passe metade do dia com o filho, admite que a experiência não a transformou em uma mulher completamente feliz ou satisfeita. “Eu, que queria tanto um filho, tive com o homem que amo e mesmo assim passo momentos difíceis… Fico imaginando o que passam mulheres que não desejaram ou foram mães solteiras.”

A primeira dificuldade à qual se refere ela sentiu quando chegou da maternidade. “Depois de mamar, o Theo chorou por três horas. Foi desesperador.” Quando foi trocar a fralda, entrou em pânico. “Senti medo de não conseguir fazer nada sozinha, de não ser capaz de criar aquela criança. Mas passou logo essa sensação.” Bianca também sofria para amamentar, pois seu seio inflamava. “Me sentiria impotente se não conseguisse, mas amamentei até ele ter quase 1 ano. Acho uma loucura ninguém ter me contado esses perrengues. Faço questão de dizer o que acontece na real para minhas amigas.” Mesmo assim, ela pensa em ter mais filhos. Mas já sabe que isso é só uma opção – e não garantia de felicidade.

Imagem de capa: Shutterstock/Dmitry A

TEXTO ORIGINAL DE AMIGOS DO FREUD






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