Uma carta aberta àquilo que apressadamente chamamos de ‘amor’

Por Aina Cruz

Caro amor (ou minha ideia romântica daquilo que possa vir a ser, quem sabe, algo parecido com isso que dizem ser amor),

Desculpe incomodá-lo assim, de madrugada, com essa carta. Mas é que não consigo parar de pensar nas pessoas que amei e, com as quais, não entendo porque, infelizmente, não permaneci.

Não sei se andei te avistando de véspera, esperançosa de finalmente ter encontrado isso de que todos tanto falam ou se, de fato, amei sempre de forma breve e finita, com exigências mil a vasculhar as entranhas de cada dia e de cada noite em que repousava minha cabeça translúcida nos ombros de meus amantes.

Se a primeira opção for a verdadeira, devo temer meus instintos efusivos e inflamáveis. Porém, se a verdade recai sobre a segunda opção, devo entender que o problema de tudo isso sou eu mesma, que me auto-saboto a cada encontro amoroso.

A questão, caro amor (ou sombra esquisita que avisto sempre de perto sem nunca poder tocar), é que ando confusa com sua representação. Pois me dizem que amor é uma coisa que arde no peito, que nos faz querer estar perto do outro e nos mete uma vontade danada de ser amado também. É gostar da companhia do outro e adorar fazer coisinhas junto.

Daí, fico aqui pensando que tudo isso para mim tem uma porção de outros possíveis nomes também: tesão, bem-querer, vontade de ser aceito, ego, humanidade, paixão, e até mesmo (por que não?), amizade.

E ainda piora, amor (ou coisa que quero ter, mas nunca consigo). Ando com umas ideias “moderninhas” de que amo meus amigos e que eles são meus amantes da vida toda. E, acalme-se, porque ainda vamos descer mais fundo: ando também achando que nada é para sempre (claro que pode vir a ser, mas a princípio não o é), que não há formato pré-definido e que, sobretudo, você se mostra de maneiras muito distintas de acordo com cada pessoa, cada casal e cada momento da vida.

Talvez meu erro (ou, será que poderia dizer: nosso erro?), seja nunca conseguir alinhar minhas expectativas à minha visão de mundo. É querer, de maneira completamente estapafúrdia, um amor estilo Hollywood, desses que batem e pá: corta para a cena do beijo com fogos de artifício ao fundo.

Talvez, o meu equívoco (ou, poderia, novamente insistir, o nosso?) seja confundir paixão com você. Porque quando olho para trás e revejo diversas relações incrivelmente passionais que vivi, percebo que elas não passaram de uma paixão devastadora, mas que nunca evoluiu para o que, agora, depois de tantos fracassos, parece-me ser você, Oh Deus do mundo, de fato!

É possível que, na ânsia de te encontrar definitivamente, eu tenha perdido o compasso daquilo que deveria ter sido (e que deve ainda ser) o meu andar pela Terra. Creio ser provável que eu tenha feito esforço demais. Creio ser provável ter feito, muitas vezes, vista grossa para tudo aquilo que deveria me fazer torcer o nariz desde o princípio.

Digamos que, ao iniciar-se o carnaval da paixão, como me parecia natural, eu, em geral, me travestia com máscaras e fantasias, as quais, passado um certo período, pareciam-me desnecessárias, de modo que eu começava a me despir e, então, desapegando-me dos trajes pesados, desejava enlouquecidamente recuperar aquela minha figura primordial: livre, leve e solta. Aquele todo que abrigava um infinito de possibilidades e que não vivia tantos questionamentos.

Devo dizer, inclusive, amor (ou sentimento ambíguo que já não causa quase que favor algum em minha alma), que rompi diversas vezes com você. E, sabe, sinceramente, o que sempre mais me feriu não foi a despedida de quem se relacionava comigo, mas a separação da sua possibilidade. Você, dragão que vinha perfumando as noites e a casa e depois me deixava, amuada em qualquer canto, tocando qualquer nota triste e melancólica.

Separar as fotos e encaixotá-las, escondê-las, por um tempo, de si e do mundo, afastando a lembrança de todo e qualquer momento feliz, machuca mais por saber que deveremos recomeçar a sua busca insensata para, depois de tudo, muito provavelmente, morrermos na praia again and again.

Ver você andando ao revés, com passos decididos afastando-se de nós, é um tipo de morte – lenta e dolorida. Sair de uma relação é reunir os escombros de todos os planos e sonhos. A gente pensa que não vai haver nenhum fiapo de desejo de felicidade. E, acredite ou não, caro sentimento daninho, a coisa mais triste do mundo é entender, rapidamente, que ainda há muito o que viver. Sentir que há gente legal no mundo… nossa! E que ainda iremos insistir nisso tudo, que iremos fantasiar tudo de novo. Entender, mais do que com o coração, sacar com o próprio cérebro, que a orquestra toca e que iremos nos levantar para dançar o seu ritmo novamente é o que nos castiga ainda mais a cada fim – que é sempre também recomeço.

Querer juntar seus passos aos de alguém é uma viagem de ácido – cheia de cores e euforia inicialmente e completamente angustiante ao final das contas. Te procurar, meu caro amigo, aliás, nos cobra juros altíssimos, diria, quase impagáveis. E aí, o que fico aqui pensando, enquanto divido minha vida pregressa entre o armário e a lata do lixo, é: como podes ser tão cruel e, ao mesmo tempo, tão caro – no sentido mesmo de querido – aos nossos corações?

Como sou meio Cazuza e, às vezes, até acredito que “nosso amor a gente inventa pra se distrair”, fico lesando aqui a meia luz, sozinha no “apê”, se você estaria me rondando novamente. Se faria comigo, de novo, a maldade de enxergar seu vulto e, alucinada, correr atrás da sua sombra até você, provavelmente, evaporar-se, contudo, claro, acreditando que “dessa vez é diferente”.

Enfim, algoz da humanidade, venho por meio dessa missiva, e espero que ela lhe encontre com saúde, pedir-lhe apenas que me chegue mais calmo, sincero e lento. Que dessa vez a doçura se instale quase que imperceptivelmente. Que você entre sem sapatos na casa, sem alardes, sem batuques. Que adormeça ao meu lado e acorde antes que eu o perceba e parta, ainda silencioso. Mas que volte, todos os dias e todas as noites que quiseres. Eu, de minha parte, prometo ser paciente, esperar, respeitar e celebrar as suas intempéries. Imploro, apenas, caro amor, não que sejas definitivo, mas que sejas de uma doçura de fruta – leve, suave e saudável. Que se tivermos escoriações, que não venham por impacto, mas por persistência.

Não revire minha vida, não me tire o prumo, não me invada. Venha como uma tartaruga: sábio, sólido e vagaroso. Coma o que eu puder te dar e não tenha muita sede. E que dessa vez, você saia da penumbra com suas cores pobres. Não tenha vergonha! Agora, com meus olhos de realidade, eu sei apreciar também aquilo que não é só belo. Venha espontâneo e com suas linhas tortas, pois cá estarei eu também nua, esfregando-lhe na cara todas as minhas limitações.

Agradeço sua atenção.

Cordialmente,

Aina Cruz.

Imagem de capa: Shutterstock/hurricanehank

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST






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