Uma carta sobre o fim do relacionamento, mas não do amor, por Simone de Beauvoir

Por Andréa Martinelli

Talvez a coragem para escrever uma carta de amor intensa e apaixonada não seja o início, mas o fim de um relacionamento. “Perdi seu amor e foi (e é) doloroso, mas não devo perder você”, escreveu a filósofa feminista Simone de Beauvoir, em 1953, ao escritor norte-americano e sua grande paixão, Nelson Algren. “De qualquer forma, você me deu tanto, Nelson, o que você me deu significou tanto, que você nunca poderia tirar isso de mim”.

Diferente de Jean Paul Sartre, seu parceiro intelectual e de vida, Nelson Algren, que Beauvoir conheceu aos 36 anos, em Chicago, nos Estados Unidos, despertou na filósofa existencialista uma paixão arrebatadora que durou cerca de 17 anos e serviu de inspiração para escrever diversos livros, entre eles, O Segundo Sexo. “Trabalho num livro sobre mulheres”, escreveu de Paris para Algren. “Quando estiver pronto, os homens saberão tudo sobre as mulheres e, assim, não se interessarão mais por elas”.

A autora descreveu seu longo e apaixonado relacionamento com o escritor em seu romance Os Mandarins (1954), no terceiro volume de sua autobiografia e no livro Cartas a Nelson Algren – Um amor transatlântico. Segundo o livro da jornalista francesa Irène Frain, Beauvoir apaixonada, o primeiro contato entre Beauvoir e Algren aconteceu na cidade de Chicago, em fevereiro de 1947, durante uma turnê de conferências.

A jornalista aponta que ela viajava sozinha e estava incomodada com a dedicação de Sartre à radialista Dolores Vanetti, com quem ele mantinha um relacionamento. Nessa época o par existencialista já mantinha o que chamava de “casamento intelectual”: Simone e Sartre eram companheiros e não faziam sexo há mais de 13 anos.

Com a volta de Beauvoir para Paris, o relacionamento entre ela e Algren é mantido por meio de cartas (escritas em inglês, já que os conhecimentos dele em francês não eram avançados), que se tornam um relato da vida intelectual e política da França daqueles anos. O livro Cartas a Nelson Algren destaca algumas delas, mas uma carta em especial, sobre o fim do relacionamento deles, é destaque no livro Hell Hath No Fury: Women’s Letters from the End of the Affair, de Anna Holmes, fundadora do site Jezebel, ainda sem tradução para o português.

O livro de Holmes traz relatos de mulheres desconhecidas e também de mulheres que marcaram época como Anaïs Nin, Sylvia Plath e até Charlotte Brontë. Todas escrevem sobre a intensidade e a complexidade de seus relacionamentos, expondo, de certa forma, suas vulnerabilidades. A que Simone de Beauvoir escreve, endereçada a Algren, mostra uma filósofa apaixonada, honesta com o amor — e resiliente com o fim de um relacionamento, mas com um respeito profundo por ele.

Então, sua ternura e amizade são tão preciosas para mim que eu ainda posso me sentir feliz e severamente grata quando eu olho para você dentro de mim. Eu espero que essa ternura e amizade nunca me abandonem.

A tensão da distância entre Beauvoir e Algren eventualmente se transformou no fim do relacionamento entre eles. Com a necessidade de algo permanente em sua vida, Algren terminou o romance com a filósofa e se casou novamente com sua ex-esposa, Amanda Kontowicz, em 1953. A carta abaixo escrita em 1950, como uma resposta a Algren, revela uma mulher que não tem medo de seus desejos.

“Eu sou melhor em tristeza seca do que em raiva fria, por isso que os meus olhos permaneceram secos até agora, secos como peixe defumado.

Eu não estou triste. Atordoada, muito distante de mim mesma, não acreditando realmente que você está agora tão longe, tão longe, você está tão perto. Eu quero te dizer apenas duas coisas antes de ir, e então eu não irei falar mais sobre isso, prometo.

Primeiro, eu espero muito, eu quero e preciso ver você de novo, algum dia. Mas, lembre-se, por favor. Eu jamais pedirei para ver você – sem orgulho, pois eu não tenho isso com você, mas o nosso encontro irá significar alguma coisa apenas se você desejar isso. Então, eu esperarei, e quando você quiser, apenas diga. Não vou pensar que você me ama de novo, nem mesmo que você tem que dormir comigo, e nós não temos que ficar juntos por um longo período – apenas tem que ser como você sente isso, e quando você sente.

Não, eu não posso pensar que não vou vê-lo de novo. Eu perdi o seu amor, e isso foi (e é) doloroso, mas eu não devo perder você. De qualquer forma, você me deu tanto, Nelson, o que você me deu significa muito, e você nunca poderá pegar isso de volta. Então, sua ternura e amizade são tão preciosas para mim que eu ainda posso me sentir feliz e severamente grata quando eu olho para você dentro de mim. Eu espero que essa ternura e amizade nunca me abandonem.

Para mim, é desconcertante e eu sinto vergonha, mas é a única verdade: Eu amo você tanto quando eu cheguei em seus braços desapontados, com todo o meu ser e todo o meu coração sujo; eu não posso fazer menos. Mas eu não vou te incomodar, querido, e não faça cartas como um dever, apenas escreva quando sentir vontade, sabendo que isso me fará muito feliz.

Todas as palavras parecem bobas. Você parece estar tão perto, tão perto, deixe-me ficar perto de você também. E me permita, como no passado, ficar no meu próprio coração para sempre.”

Sua Simone”

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST






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