Quando se observa quem estuda felicidade profissionalmente, surge um padrão curioso: essas pessoas não vivem de grandes viradas dramáticas, e sim de pequenos ajustes diários.
Pesquisadores como Arthur Brooks, Tal Ben-Shahar e o filósofo José Carlos Ruiz costumam resumir o segredo com dois checkpoints simples: começar o dia sabendo por que você saiu da cama e terminar a noite com a sensação de gratidão.
Entre esses dois pontos, entra em cena algo que muita gente sempre tratou com desdém: a rotina.
Vários dos principais estudiosos da felicidade no século XXI batem na mesma tecla: o jeito como organizamos o “comum de todo dia” influencia muito o nosso bem-estar.
Aquilo que muitas vezes foi visto como sinônimo de tédio – fazer as mesmas coisas, nos mesmos horários – passa a ser entendido como estrutura.

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É essa repetição organizada que dá referências internas, reduz a sensação de estar perdido e cria uma base para que momentos especiais tenham onde se apoiar.
Dentro dessa lógica, o relógio ganha protagonismo. A primeira hora depois de acordar e os minutos antes de dormir funcionam como molduras do dia. Se esses dois momentos são caóticos, cheios de telas e decisões improvisadas, a mente paga a conta.
Por isso, Brooks, Ben-Shahar e Ruiz sugerem que a gente trate manhã e noite como espaços de proteção: sair de certos hábitos automáticos e construir rituais que sustentem o humor, a clareza mental e o corpo.
Arthur Brooks e Tal Ben-Shahar concordam em um ponto muito direto: felicidade se constrói. Não cai do céu, não aparece só quando um desejo é atendido, e não se resume a picos de euforia.
Exige escolhas repetidas. Para Brooks, a primeira dessas escolhas começa no despertador. Acordar cedo, para ele, é a “primeira vitória” do dia: um gesto que testa a disciplina, reforça um compromisso consigo mesmo e já entrega aquela sensação silenciosa de “eu fiz algo difícil logo de cara”.

Durante muitos anos, Brooks se definia como alguém de hábitos noturnos. Ele conta que descobriu, aos poucos, que o problema não era o tipo biológico, e sim a bagunça no sono: horários irregulares, muita luz e estímulo até tarde, pouca coerência entre o que o corpo pedia e o que ele entregava.
Ao ajustar esse cenário, mudou a agenda radicalmente. Hoje, levanta às 4h30, todos os dias, para caminhar e acompanhar o amanhecer.
Ele admite que parte dele sempre tenta negociar “só mais alguns minutos” na cama, mas reforça mentalmente uma ideia simples: começar bem o dia é uma microbatalha contra o mal-estar. Esse discurso interno, segundo ele, faz diferença na prática.
Levantar cedo, para Brooks, não serve só para encaixar mais tarefas. Ele defende o hábito de sair de casa logo no início da manhã, sem celular, sem fones, sem notificações.
A sugestão é caminhar cerca de meia hora pouco antes do nascer do sol e voltar quando a luz já estiver mais forte.
Esse tipo de passeio ajuda a “aterrar” a mente: você percebe o frio ou calor do dia, o barulho da rua, o próprio corpo acordando aos poucos. Além do efeito psicológico de começar a manhã com algo que faz bem, há um impacto claro na parte biológica.
A combinação de luz da manhã com movimento envia ao cérebro o recado de que o dia começou de forma organizada.
Pesquisas indicam que esse padrão ajuda a regular o relógio circadiano, que coordena sono e vigília, além de influenciar a produção de melatonina e cortisol.
Com exposição adequada à luz logo cedo, o corpo “aprende” melhor quando deve ficar alerta e quando é hora de desacelerar.
A caminhada leve ainda favorece a liberação de serotonina e endorfinas, substâncias associadas à sensação de bem-estar e à redução do estresse.
Na prática, esse conjunto funciona como um antidepressivo natural de baixo custo e alta acessibilidade.

Tal Ben-Shahar entra na conversa com uma ressalva importante: madrugar, por si só, não resolve nada. Se você acorda muito cedo para passar a primeira hora rolando redes sociais ou apagando incêndios de última hora, o benefício se perde.
Segundo ele, o que transforma a rotina é o uso estratégico desse tempo extra. As primeiras horas do dia costumam ser o período em que a mente está menos congestionada, e é justamente aí que entram as atividades que exigem foco e presença.
Ben-Shahar costuma dedicar as manhãs à escrita e a exercícios físicos moderados. Ele argumenta que a clareza mental ao acordar ajuda a organizar ideias, tomar decisões mais alinhadas com o que é importante e acessar a criatividade com mais profundidade.
O movimento do corpo, por sua vez, atua como reforço para a saúde emocional: desloca a atenção das preocupações, regula o humor e contribui para a sensação de autoeficácia – a percepção de que você consegue fazer o que se propõe.
Uma ideia curiosa que ele defende é a dos “rituais negativos”: em vez de focar apenas no que você vai fazer de manhã, decidir com antecedência o que você não quer colocar nesse horário. No caso dele, um exemplo é ler notícias logo cedo.
Ele gosta de se informar, mas percebeu que isso consome tempo e energia demais, o que atrapalha as tarefas realmente importantes. Assim, empurra esse hábito para o fim do dia, quando o impacto no desempenho é menor.
Cada pessoa pode definir seus próprios rituais negativos: nada de e-mail antes de dar café da manhã às crianças, nada de responder mensagens de trabalho na cama, nada de abrir redes sociais antes de terminar uma tarefa-chave.
Se as manhãs precisam ser bem desenhadas, a noite é o terreno onde esse desenho começa.
Brooks insiste que acordar cedo fica muito mais difícil quando a pessoa passa horas pular de vídeo em vídeo, de notificação em notificação, “roubando” tempo de sono do próprio corpo.
Montar um ritual noturno simples – diminuir luzes, evitar telas fortes, criar um horário razoavelmente fixo para deitar – é uma forma de cortar essa procrastinação do sono e dar ao cérebro o descanso que ele precisa para funcionar bem no dia seguinte.
Tal Ben-Shahar adiciona um elemento emocional a esse encerramento de dia: o hábito de agradecer.
Todas as noites, antes de dormir, ele registra três coisas pelas quais se sente grato. Não precisam ser acontecimentos grandiosos; pode ser uma conversa boa, um problema resolvido, um café em silêncio.
Estudos recentes, incluindo pesquisas realizadas na Universidade de Manchester, indicam que esse tipo de exercício aumenta a sensação de satisfação com a vida e está associado a um sono mais profundo e mais longo.
É um modo simples de direcionar a atenção para o que funcionou, em vez de fechar os olhos com a cabeça cheia apenas do que deu errado.
O filósofo José Carlos Ruiz conecta essa prática com uma ideia clássica de Kant: felicidade como um “agrado constante” ligado à vida virtuosa.
Em termos práticos, seria deitar-se à noite com a sensação de que, dentro das limitações de cada dia, você tentou agir com decência, coerência e sentido.
Não significa perfeição nem sucesso o tempo todo, e sim um esforço honesto para fazer o melhor possível em cada contexto.
Reforçar mentalmente frases desse tipo – “hoje eu fiz o melhor que consegui com o que eu tinha” – ajuda a mente a se organizar e pode, como lembra Arthur Brooks, aumentar a percepção de felicidade ao longo dos anos.
Para Brooks, essa busca de sentido ganha ainda mais força quando envolve conexão com outras pessoas.
Um dos conselhos que ele mais repete para quem quer dormir melhor é extremamente simples: antes de adormecer, olhar nos olhos de alguém que você ama e estar ali por alguns instantes, sem distrações.
Pode ser um parceiro, um filho, um amigo, até mesmo uma videochamada rápida. Esse pequeno gesto reforça pertencimento, afeto e segurança – três sensações que, somadas, ajudam a fechar o dia com a cabeça mais tranquila e o coração um pouco mais leve.
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Fonte: Journal of Personality and Social Psychology
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