Antes de apertar o play, vale alinhar a proposta: “On the Road” não tenta enquadrar Jack Kerouac num roteiro previsível. A adaptação comandada por Walter Salles abraça o espírito errante do livro de 1957 e o traduz para a tela com escolhas formais que contam tanto quanto a história — fotografia granulada, som que respira jazz e um elenco que encarna a inquietação beat.
Produzido por Francis Ford Coppola e roteirizado por José Rivera, o filme encara um desafio claro: transformar em cinema uma prosa construída em fluxo de pensamento, cheia de cortes bruscos, cadência musical e referências diretas a figuras reais.
Em vez de forçar uma linha reta, Salles mantém o caráter fragmentado do texto e ancora a narrativa em atmosferas, deslocamentos e encontros que funcionam como capítulos de uma mesma febre criativa.
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O eixo dramático segue o alter ego de Kerouac, Sal Paradise (Sam Riley), fascinado pelo carisma caótico de Dean Moriarty (Garrett Hedlund), inspirado em Neal Cassady.
A dinâmica entre os dois aciona o restante do mosaico: Marylou (Kristen Stewart), ligação afetiva que transborda limites; Carlo Marx (Tom Sturridge), versão ficcional de Allen Ginsberg, apaixonado por Dean; e Bull Lee (Viggo Mortensen), eco de William S. Burroughs, isolado com a família, ópio e anotações à margem — todos em órbita de um desejo comum: viver e escrever sem amarras.
Visualmente, o longa aposta no trabalho de Éric Gautier: filmado em película com câmeras Aaton Penelope e lentes Angénieux Optimo 28–76 mm, o resultado entrega granulação, tons quentes e uma coreografia de planos abertos na estrada que se fecham em interiores carregados de reflexos (espelhos, para-brisas, janelas). Esse jogo de luz e vidro reforça a sensação de deslocamento contínuo e de identidades vistas sempre por “superfícies” — nunca por inteiro.
No som, Gustavo Santaolalla costura a narração de Sal com temas que respiram bebop, aceleram diálogos e freiam em silêncios quando necessário. A trilha não é enfeite; ela organiza o tempo emocional das cenas e traduz em pulso a efervescência cultural do período entre fim dos anos 40 e início dos 50: sexo sem rodeios, literatura como combustível e a estrada como método.
O filme foge do sermão. Não moraliza escolhas, não higieniza excessos. Prefere mostrar como cada personagem testa limites de corpo e linguagem, enquanto Salles administra o equilíbrio delicado entre fidelidade literária e legibilidade cinematográfica.
Daí a sensação, para alguns, de obra “controlada”: onde o livro derrama digressões, o cinema precisa decidir o que enquadrar — e essa curadoria inevitavelmente acalma o caos.
Nos bastidores, o peso simbólico da adaptação aparece no tempo de maturação do projeto e no resultado final: orçamento de US$ 25 milhões, bilheteria de US$ 8 milhões e críticas divididas.
Ainda assim, há consensos de mérito: direção de fotografia precisa, ambientação cuidadosa e atuações que sustentam a inquietação sem caricatura. Como experiência, “On the Road” funciona melhor quando aceitamos que o filme quer nos colocar dentro de estados de espírito, não conduzir por uma linha reta de eventos.
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