Não querer mais viver: silenciar os julgamentos para que o sofrimento seja ouvido

Em meio à campanha de prevenção ao suicídio, é visível que este ainda é um daqueles assuntos tabus cobertos por desconhecimento e afastado das rodas de conversa devido ao receio de provocar sofrimento, incômodo ou estimular o ato. Evitar falar sobre o desejo de morrer não modifica o fato de que, no mundo, a cada 40 segundos uma pessoa põe fim à própria vida – segundo dados da Organização Mundial da Saúde.

A OMS também aponta um aumento no número de casos. Diante das atuais culturas do consumismo, afrouxamento dos laços afetivos, intolerância à frustração e ditadura da felicidade, o suicídio demanda ainda mais atenção. Visto que as dores tentam ser caladas a todo custo, a falta não é tolerada. Na impossibilidade de preencher o vazio torturante, a morte surge como alívio.

O suicídio é complexo e multifatorial – é o desenlace da interação de fatores psicológicos, biológicos e socioambientais. A relação entre suicídio e transtornos psíquicos, como depressão e esquizofrenia, é significativamente alta, mas o fenômeno ultrapassa a ligação com uma psicopatologia. Inúmeros casos ocorrem abruptamente, denotando impulsividade frente a uma situação estressante.

Problemas financeiros, fim de relacionamento, violências, perdas e dificuldades provenientes da velhice são possíveis agravantes de transtornos já existentes ou desencadeantes de crises caracterizadas pela sensação de desamparo e de incapacidade. Acreditando não ser capaz de encontrar uma solução para o problema, o sujeito idealiza a própria destruição por desejar destruir o tormento que há dentro de si.

Culpa, rejeição, humilhação e sentimentos de abandono e solidão são vividos como insuportáveis por algumas pessoas. O fardo, a dor e o sentimento de impotência aumentam a cada dia. A vida perde o sentido. Quando viver é insuportavelmente doloroso, a morte pode parecer como um abraço que ampara e alivia a tensão, dando fim à tortura. Considerando que o suicida busca acabar com a dor de viver, ele não busca objetivamente a morte, mas se libertar das garras desse sofrimento indescritível.

A desinformação sobre suicídio e questões mentais desencoraja quem possui ideais suicidas a falar sobre tais pensamentos. Isso impede que receba ajuda e, isolado, a gravidade da situação aumenta. Falar sobre a perda da vontade de viver acolhe e reconhece a dor de quem vislumbra na morte o fim de seu sofrimento, promovendo prevenção e construindo novas perspectivas. É necessário capacitar o indivíduo a identificar se é suscetível a pensamentos suicidas, e então criar uma rede de apoio e prevenção a qual recorra em momentos que o remetam ao desejo de morrer.

Reconhecer que a maioria das pessoas sente ou poderá sentir desgosto pela vida em determinados momentos estimula que se converse sobre o tema como uma questão natural da humanidade. Além disso, buscar o autoconhecimento facilita o manejo da situação, uma vez que torna possível identificar a chegada de uma crise e, através da consciência sobre o seu funcionamento, o sujeito compreende o que desencadeia o sofrimento. Dessa forma, os pensamentos podem ser concentrados no caráter momentâneo do problema e em direção às possibilidades de solução em vida.






Psicóloga clínica com enorme interesse nos processos e mecanismos envolvidos nas interações e comportamentos humanos. Com orientação psicanalítica, mantém uma abordagem integral do ser humano e sua subjetividade. Graduada pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e pós-graduanda em Dinâmicas das Relações Conjugais e Familiares pela Faculdade Meridional (IMED). .