O perigo disfarçado de risos

“A psicologia não pode dizer às pessoas como viver suas vidas. No entanto, podem fornecer os meios para efetuar mudanças pessoais e sociais. “- Bandura 1977

Os períodos festivos, trazem sem dúvidas inúmeras alegrias, em especial a reunião das famílias. Amigos de perto e de longe, ao redor da mesa, longas e animadas conversas. Mas, traz preocupações, em torno do consumo abusivo de drogas inclusive e especialmente o uso indiscriminado de bebidas com álcool. Muitas pessoas esperam o fim de semana ou datas comemorativas para beberem e comerem sem reservas “tudo o que tem direito”, um termo bastante usado. Ultrapassando o consumo considerado “normal”. Intoxicando o organismo , sobrecarregando e agravando estados de saúde e relacionamentos.

Não carece de alertar sobre os perigos das trágicas misturas de álcool e outras drogas com a direção de veículos, já tão exaustivamente abordados. Dada a impossibilidade de reconhecer o comprometimento do manejo habitualmente importante, como a tomada de decisões mais complexas que por ventura se façam necessárias, ou a noção do limite de velocidade, entre outras situações.
Fato é que subestimar os efeitos da duração do álcool em nosso organismo, acreditando que tomar um copo de café os torna competentes a dirigirem com segurança. É caminhar veloz pela vereda do engano, pois o álcool continua a comprometer o cérebro, prejudicando a coordenação e a capacidade de julgamento.

O álcool é tão letal quanto o uso de qualquer outra droga ilegal quando ingerido de forma irresponsável. Aliás é a droga mais associada à violência e agressividade segundo o Ministério da Saúde. Infelizmente, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), divulgou recentemente elevação do consumo entre adolescentes. Estarrece o fato de que crianças entre 10 e 12 anos já façam parte das estatísticas.

Estes argumentos foram necessários para chegar ao seguinte raciocínio. Períodos de férias e festividades tornaram-se para alguns adeptos de álcool e outras drogas, um pretexto para embebedarem-se. Uma linha de pensamento nada simpática, mas necessária para chamar atenção para um grave risco. É neste momento também em que muitos adolescentes acabam sendo liberados a beber, o primeiro contato com o álcool nas festas de final de ano, muitas vezes com a permissão ou até incentivadas pelos pais.

Há crianças e adolescentes que apesar do péssimo exemplo dos adultos, não aderem ao consumo de álcool, mas a resiliência não é o comportamento mais comum entre os jovens. Em grande parte, acabam vendo nos pais um exemplo para o consumo de álcool. O uso exagerado das bebidas em festas e comemorações pode construir nos adolescentes a falsa ideia de que traz alegria e felicidade.

Albert Bandura um psicólogo e pesquisador canadense desenvolveu uma teoria, muito utilizada até os dias atuais por pesquisadores do comportamento, da aprendizagem social, pesquisando e definindo conceitos como os de aprendizado vicário e auto eficácia. Ou seja, nosso aprendizado se intensifica quanto mais lhe dermos condições e suporte. Não só aprendemos atitudes construtivas por observação, mas destrutivas também. Por observação, sofremos modelagem, também pela observação, mesclamos aprendizado do que Tuckman chamou de suporte social. No caso das crianças, aprendem não só observando os pais, mas amigos dos pais, dos colegas de escola, e nós adultos, de nossos chefes, colegas e parceiros pelo coletivo.

Através do aprendizado vicário, segundo Bandura, todos os fenômenos que ocorrem por meio de experiências diretas podem também ocorrer através da observação. Este tipo de reforço é muito utilizado em comunidades de prática como o TecnoTalks. O compartilhamento de conhecimentos e experiências, a apresentação de cases, o uso de workshops e jogos tem este foco.

Gosto muito da ideia e a propago com frequência, de que quando encontramos alguém que nos seja caro, um professor ou alguém a quem somos influenciados, somos transformados pelo encontro. Passamos a levar conosco algo deste alguém. Grande parte de nosso conhecimento é adquirido pela observação e imitação, mesmo no modelo mental, refletir coisas apreendidas e repetidas. A maior parte dos saberes, parafraseando Paulo Freire, segue este modelo, nem empírico, nem experimentação, mas por mimetismo, no bom e mal sentido.

É possível resistir aos excessos nas festas de finais de ano?

Pessoas que desenvolvem em si mesmas o controle, não estamos falando em repressão, ou medo, mas na expansão da consciência. Divertir-se é deleite não excessos. Já é patente que o auto controle está diretamente relacionado com a auto eficácia, e este perfil é apontado em pessoas mais empreendedoras, enquanto o contrário demonstra indivíduos mais acomodados e sem resiliência. Se acham fracos para resistirem ao apelo do momento, já os comedidos, auxiliam os filhos através do exemplo.

Pode ser uma das explicações para a estrutura psíquica mais estável em adolescentes mais bem sucedidos.

Quando os pais resistem aos excessos em frente aos filhos, estão demonstrando a capacidade pessoal de superar os apelos do consumismo desenfreado. Também, uma oportunidade da família construir pela valorização os pontos fortes desta atitude ( carinho, proximidade, escuta) e realismo dos pontos fracos, não assumindo riscos desnecessários. Também um momento para incentivar a capacidade de cada um em superar obstáculos, de aprender com os erros e se superar.

“As pessoas não só ganham maior compreensão através da observação e reflexão, mas também reavaliam e alteram seu próprio pensamento. ” – Bandura 1986

Portanto, é essencial o exemplo, e também prestar bastante atenção no comportamento dos filhos, quanto mais solitários, ou em más influências, maiores os riscos. Essencial também que se converse bastante a fim de orientá-los sobre os problemas que o álcool pode lhes causar.

Estes períodos festivos, aumentam a vulnerabilidade em pessoas tidas como “ normais”, mas mais especialmente em pacientes de risco. Um número enorme de adictos de álcool e novos casos nascem e são ensejadores de recaídas nos supostos “momentos bons da vida”. A oferta fácil do álcool acaba sendo o maior desencadeador de situações de risco.
Não se brinca com o uso inadequado de álcool. O alcoolismo não é somente uma questão de falta de força de vontade. É um processo bioquímico.

Alguns ingênuos acreditam que oferecer ao alcoólatra meia taça de vinho, champanhe só na hora do brinde do natal ou do final do ano, não compromete. Ou oferecer pequenas quantidades de álcool as crianças. Porém, isto é extremamente maléfico. Pode desenvolver nas crianças o desejo pelo consumo e para o dependente químico o empurrão para a recaída. Sem mencionarmos o fato de que destrói o cérebro em formação e em excesso até os já adultos.

Fato é que cada um, dentro de sua maneira de viver, deve desenvolver formas ou habilidades para trabalhar com estas situações, porque elas aparecerão sempre, durante toda a vida. O uso de bebidas alcoólicas é uma realidade em quase todos os lares. Mas, os riscos também. Lembrar-se que uma vez adicto nunca mais se desvinculará da dependência. Importante manterem-se atentos às suas fragilidades quando envolver consumo constante de álcool.

Imagem de capa: Shutterstock/airdone