A VIOLÊNCIA ESCOLAR- PARTE II

A família parece estar tão distante de seus filhos, que além de não darem a devida atenção, o que por si só já se transforma em um tipo de violência simbólica, ainda se eximem de qualquer culpa pelas atitudes apresentadas por eles. Costumam passar a mão na cabeça, diante de comportamentos considerados transgressores, tanto que muitas vezes, ao serem chamados pela escola para conversar sobre seus filhos, os colocam como vítimas. Culpam a escola, os professores e funcionários, por qualquer tipo de problema, ainda mais aqueles que envolvem a questão da violência. Com isso, além de omissos, eles acabam sendo permissivos, fazendo com que seus filhos não obtenham limites.

Por outro lado, a escola e seus docentes culpam os responsáveis por essas atitudes dos alunos, não assumindo a sua parcela de responsabilidade dentro desse contexto tão difícil. Justamente sobre essa função da escola, Maturana (2000, p.13) acredita que: “A escola tem o dever de facilitar o crescimento dos jovens como seres humanos que respeitam a si próprios e aos outros, com consciência social, de modo que possam atuar com responsabilidade na comunidade a que pertencem”.

Já Imbernón (2000, p.189) ao falar sobre os objetivos da escola para o século XXI, ele sugere que: “Ela deva contribuir para o desenvolvimento de uma cultura do discurso crítico sobre a realidade concreta e socializar valores e práticas da democracia, que facilitem uma participação ativa e crítica”.

Sendo assim, acreditamos ser fundamental que cada criança ou jovem dentro da escola, possam construir dentro de si, um sistema de valores que privilegiem: a vida, a solidariedade, a justiça e uma consciência crítica.

Ainda sobre as funções da escola, Aranha (2006, p.269) ao defender alguns aspectos das teorias progressistas, diz que: “A escola não deve ser um elemento de continuidade da tradição, mas sim, fazer uma ruptura nesse processo, na medida em que pode problematizar a realidade e trabalhar as contradições sociais”.

Seguindo nessa mesma direção, Freire (1999, p.120) reforça esta ideia ao afirmar que: “Não basta ao oprimido (aluno) ter consciência da opressão que sofre da sociedade, mas deve dispor-se a transformar essa realidade durante o processo de aprendizagem”.

A escola deve organizar-se de forma a possibilitar que os alunos sejam capazes de:

  1. a) compreender o conceito de justiça baseado na equidade e, empenhar-se em ações solidárias e cooperativas;
  2. b) adotar atitudes de respeito pelas diferenças entre as pessoas, repudiando as injustiças e discriminações, para assim, desenvolver a auto-estima dos alunos;
  3. c) valorizar e empregar o diálogo como forma de esclarecer conflitos e tomar decisões coletivas (os alunos também devem expor suas ideias e opiniões);
  4. d) repudiar toda discriminação baseada em diferenças de raça, etnia, classe social e outras características individuais e sociais;
  5. e) analisar com discernimento as atitudes e situações fomentadoras de todo tipo de discriminação e injustiça social, realizando uma regulação pacífica dos conflitos.

Visto que o papel do professor dentro desse contexto é fundamental, La Torre e Barrios (2002, p.37), ao comentarem sobre a função do professor dentro desse cenário de conflitos, fazem a seguinte afirmativa:

O ensino  é uma atividade  complexa,  que se desenvolve  em cenários, claramente determinados pelo contexto,  com resultados sempre  em grande parte imprevisíveis e carregados de conflitos de valor que requerem opções éticas e políticas.  Por isso, o  professor  deve   desenvolver  uma  sabedoria   baseada  na  sua   experiência   e    criatividade para  enfrentar situações únicas,  ambíguas,  incertas e conflituosas que configuram a vida em classe.

É de extrema importância que o professor tenha um olhar claro e coerente sobre o aluno que tem que formar, tentando sempre identificar as diversas formas de manifestação da violência, sendo elas tanto explícitas, como principalmente, as implícitas, que os alunos possam estar sofrendo, para que assim, ele possa intervir de uma maneira mais adequada, escolhendo as melhores formas de agir. Além disso, vale também ressaltar que, o professor muitas vezes é visto como um exemplo para os alunos, por isso, suas atitudes e seu comportamento refletem diretamente neles, sendo assim, ele deve evitar posturas autoritárias e de intimidação. O amor e o respeito nascem do conhecimento que temos de outras pessoas e da convivência com elas, por isso, é necessário que a escola propicie à criança esses momentos.

O desenvolvimento do ser humano é um processo integrado que abrange diversos aspectos da vida, como o motor, o emocional, o cognitivo e o social. Não podendo diminuir qualquer uma dessas faces durante o processo de formação. Porém, dentre estes aspectos, talvez os mais difíceis de serem trabalhados pelos professores sejam o social e o emocional, pois são justamente durante as relações interpessoais que as emoções e diferenças ficam mais latentes, surgindo um dos maiores desafios do educador que é ensinar o respeito e a aceitação pelas diferenças, para um convívio harmonioso dentro do grupo social.

Assim. começam a surgir várias situações de conflitos e manifestações de violência entre os alunos como: exclusões; provocações verbais e gestuais; xingamento e ofensas; preconceito e discriminação, principalmente com aqueles menos habilidosos ou fora dos padrões impostos pela sociedade; humilhações; ameaças e, até agressões físicas (tapas, empurrões, brigas generalizadas).

 As ações e atitudes dos professores de educação física dentro da escola, têm uma função crucial na formação dos alunos, pois dependendo das suas intervenções pedagógicas e educacionais em suas atividades, ele pode acabar agindo de duas formas: como um educador preocupado com a inclusão e socialização de seus alunos ou, de maneira inversa, um reforçador dessa violência, mesmo que de forma inconsciente.

Para combater a violência dentro da escola, acreditamos ser importante um trabalho em conjunto por toda a comunidade escolar e equipe pedagógica, desde a direção até professores, funcionários, e familiares responsáveis, todos se comprometendo, em prol da busca por um objetivo em comum. Sobre o início dessas manifestações de violência dentro da escola, Silva (2010, p.66) acredita que: “Diversos tipos de violência, como a intolerância e a impulsividade, já podem ser percebidos desde o ensino fundamental, e acabam se proliferando gradualmente até os ciclos escolares mais adiantados”.

A escola deveria ser um espaço onde cada criança e jovem pudesse exercer os seus direitos e deveres. Porém, se um indivíduo ou grupo se encontra excluído de determinados recursos ou atividades, reconhecidos como necessários para a plena realização de sua cidadania, tal exclusão deve ser entendida como uma grave violência social.

Infelizmente, a comunidade escolar tende a reproduzir, em maior ou menor escala, a sociedade, com isso, as crianças e os jovens acabam se tornando reflexo dessa cultura e ideologia em que estão inseridos. Exprimem muitas vezes, comportamentos egocêntricos e transgressivos, marcados pela busca constante de compensações e gratificações imediatas, o que vai totalmente contra a ideia de grupo e cooperação, que deveria ser a difundida.

Visto que, a sociedade tem através de suas ideias e cultura, uma forte influência nas ações e atitudes das pessoas, principalmente das crianças e adolescentes, situação essa que Piaget chama de coação social, se torna importante que busquemos dentro da escola, questionar algumas dessas ideias e valores que são “sugeridos” pela sociedade.

 Porém, normalmente o que acaba vigorando, é a aceitação dessas ideias impostas, a partir do senso comum dos indivíduos, ou seja, sem nenhuma reflexão crítica e, com isso, eles se limitam simplesmente a aceitá-las e repeti-las e, como um ciclo vicioso, eles ao incorporarem essas ideias, começam a divulgá-las. Em outras palavras, eles acabam impondo, o que num primeiro momento lhe impuseram. Exemplos fortes que ilustram estas ideias impostas são a questão da raça e da classe social. Ambos têm valores negativos que levam à violência para com o negro ou mulato e  para os pobres, com pouco poder aquisitivo. No caso, do racismo, temos visto algumas mudanças devido à proletarização da classe média. Já quanto aos ricos, eles são infelizmente cobiçados e permanecem arrogantes. Essa ideologia está “gritando” em todos os meios de comunicação, o que dificulta uma mudança de paradigma. A escola tem a obrigação de assumir uma posição crítica com relação a vários questionamentos ideológicos e culturais existentes na sociedade, inclusive esses que levam ao surgimento de várias manifestações de violência.

Leia também: Violência Escolar- parte I






Fernanda Luiza Kruse Villas Bôas nasceu em Recife, Pernambuco, no Brasil. Aos cinco anos veio morar no Rio de Janeiro com sua família, partindo para Washington D.C com a família por quatro anos durante sua adolescência. Lá terminou o ensino médio e cursou um ano na Georgetown University. Fernanda tem uma rica vida acadêmica. Professora de Inglês, Português e Literaturas, pela UFRJ, Mestre em Literatura King´s College, University of London. É Mestre em Comunicação pela UFRJ e Psicóloga pela Faculdade de Psicologia na Universidade Santa Úrsula, com especialidade. Em Carl Gustav Jung em 1998. É escritora e psicóloga junguiana e com esta escolha tornou-se uma amante profunda da arte literária e da alma, psique humana. Fernanda Villas Bôas tem vários livros publicados, tais como: No Limiar da Liberdade; Luz Própria; Análise Poética do Discurso de Orfeu; Agora eu era o Herói – Estudo dos Arquétipos junguianos no discurso simbólico de Chico Buarque e A Fração Inatingivel; é um fantasma de sua própria pessoa, buscando sempre suprir o desejo de ser presente diante do sofrimento humano e às almas que a procuram. A literatura e a psicologia analítica, caminham juntas. Preenchendo os espaços abertos da ficção, Fernanda faz o caminho da mente universal e daí reconstrói o caminho de volta, servindo e desenvolvendo à sociedade o reflexo de suas próprias projeções.