Baleia Azul: não é falta de “laço”, é falta de olhar

Se você ainda não sabe o que é “Baleia Azul”, deveria se preocupar em saber. Trata-se de um sádico jogo virtual onde jovens são desafiados à automutilação e incitados a tirar a própria vida. Se o suicídio de adultos está mergulhado em tabus, os suicídios de crianças e adolescentes são ainda mais perturbadores.

Casos de suicídio sempre existiram na história da humanidade, assim como a conturbação que caracteriza a adolescência. É imprescindível esclarecer que as razões para se matar não estão na falta de “laço, enxada ou vergonha na cara”. Bom humor é uma virtude, mas suicídio não é piada. Vamos encarar as verdadeiras causas?

Violência física, sexual ou psicológica; estrutura familiar disfuncional; depressão; perspectiva negativa do futuro (nos jovens, a predisposição a se conformar é menor); bullying e sentimentos de abandono são alguns dos reais motivos que os levam a cometer suicídio. Nessa faixa etária não compreendemos que muitas situações são circunstanciais, que não são definitivas ou irreversíveis. Nem todos têm a mesma perspectiva de mundo ou o mesmo nível de resiliência.

Existe uma relação entre “querer chamar a atenção” e o suicídio, mas não como algumas pessoas propagam. Neste caso, o desejo por atenção está ligado à necessidade de ser olhado. Geralmente em um ambiente negligente, é um pedido de ajuda para viver que já não encontra outros recursos que não a morte.

Explorar coisas novas é um forte aspecto dos adolescentes que contribui para se aproximarem do jogo, seduzidos pela emoção dos desafios. Esse público é mais sugestionável e os mais vulneráveis e em sofrimento podem ser induzidos ao suicídio. Outro fator importante é o pouco discernimento acerca das consequências de seus atos, uma vez que eles ainda possuem um funcionamento psíquico imaturo.

Jovens com vínculos frágeis podem vislumbrar no “Baleia Azul” um grupo ao qual pertencer e serem reconhecidos. É inato do ser humano buscar aceitação. É a busca pelo olhar do outro que, muitas vezes, não é encontrado na família e escola. Além disso, quando o adolescente não identifica uma figura de autoridade na família, ele vai buscar fora o limite e encontra neste tipo de jogo destrutivo quem ordene suas ações, com regras claras, aceitação e reconhecimento.

Uma geração não muda sozinha, ela é influenciada pelas outras gerações. Então, é apenas a juventude que está diferente ou o comportamento dos pais também se modificou? Quais são as razões para se contestar a autoridade dos pais e/ou escola, mas se submeter às regras absurdas de um desconhecido através de um jogo virtual?

Nossa cultura vangloria quem se basta, quem ignora as próprias dores. Não foram os jovens que instalaram o vazio no qual vivemos. Eles já nasceram mergulhados em um mundo veloz, carente de amor, que busca satisfação imediata. Os valores morais contemporâneos não são os mesmos de outrora. Nem a função de lei assumida pelos pais, nem o tempo destes dedicado à interação com os filhos.

“Baleia Azul” não é o problema. A nossa indiferença, omissão e displicência cortam os pulsos dos jovens. Suicídios incentivados e até assistidos via internet existem há anos. Automutilações também são frequentes na adolescência – a dor física está a serviço das dores psíquicas.

Proibir o acesso à internet aguça ainda mais a curiosidade natural do adolescente e sua tendência a testar limites. Entretanto, é dever dos pais ter conhecimento do conteúdo acessado pelo filho. Há muitas informações, construtivas e destrutivas, circulando na rede. Isso não é invasão de privacidade, é cuidado e proteção em um período onde este sujeito necessita ser guiado e orientado perante o mundo.

É necessário que os pais conversem com seus filhos sobre o perigo real e as intenções perversas deste jogo virtual. É essencial que estejam acessíveis aos filhos, com uma escuta livre de julgamentos e atenta às angústias deles.

Imagem de capa: Shutterstock/Maen Zayyad

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Psicóloga clínica com enorme interesse nos processos e mecanismos envolvidos nas interações e comportamentos humanos. Com orientação psicanalítica, mantém uma abordagem integral do ser humano e sua subjetividade. Graduada pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e pós-graduanda em Dinâmicas das Relações Conjugais e Familiares pela Faculdade Meridional (IMED). .