Comer até morrer?

São notórios nos consultórios de psicanálise o maior número de pacientes mulheres que sofrem com transtornos alimentares, e todas com queixas relacionadas à relação materna, a qual tem um caráter de fusão, não havendo individualidade em cada uma.
Pacientes com obesidade vivem o corpo como certa prisão, afinal, o peso excessivo lhe gera uma série de limitações em seu dia-a-dia, seria a relação materna também uma relação de prisão?

Pensar sobre um corpo obeso é pensar sobre um corpo sem contornos nem limites, que a própria paciente não consegue estabelecer. A incapacidade em lidar com limites como um todo afeta a vida como um todo, no trabalho, social, familiar. Há uma dificuldade em se adaptar, testar os próprios limites, por isso são comuns relatos de pacientes que se submetendo a cirurgias bariátricas passam a ter alterações na personalidade como maior tendência a agressividade. O que acontece é que o modo de gozar em comer até morrer foi proibido, assim houve um impedimento e insatisfação instalados, o que impõe novos limites e um novo modo de lidar com a vida, que lhes parece bastante penoso.

A obesidade revela comportamentos autodestrutivos daquele ser, contudo somente a cirurgia e emagrecimento da pessoa não parecem ser suficientes para lidar com tamanha angústia, por isso é bastante importante o acompanhamento psicológico. O comer compulsivo faz com que o sujeito deixe de lidar com emoções intoleráveis, então se não pode mais fazer isso, como irá lidar? Por isso muitos trocam o vicio em comer por outro, como álcool, cigarro, compras…

O corpo do obeso é grande, mas preenchido por um imenso vazio, quando se torna magro, perde muito peso, mas parece que o peso da vida cai sobre si e ele não sabe como lidar, pois sempre escapou de alguma forma. Pensar sobre o comer vai muito além do peso, pois há também os limites daquele corpo, as angustias que se sentem e as que estão escondidas naquele corpo que só consegue colocar comida para dentro e tem dificuldade em colocar para fora o que sente.

A obesidade é muito mais simbólica, por isso o trabalho de análise é muito interessante para estes pacientes, mesmo os decididos a fazer cirurgia bariátrica. Há que se olhar para tais pacientes em suas subjetividades, o que aquele corpo representa? Sempre foi acima do peso? O que lhe dizer sobre ele? A família também é obesa?

A análise deve ajudar o paciente a lidar com essa pulsão de morte e tentar fazer com que se “recupere a vida” e cuidado consigo mesmo, que talvez a mãe, um dia, não pode dar. Trabalhar a relação com a mãe, com a imagem internalizada dela e essa ligação muito forte, é também um primeiro passo importante.

A psicanálise leva o paciente na direção de si mesmo, localizando seus próprios pontos de fixação e angústia. É comum que os pacientes, ao relatar sua situação, experimentam a falta de palavras e dificuldade em colocar suas angústias para fora, muitos choram bastante. O sentimento de culpa pela má saúde e sentimento de fracasso faz com que o paciente se sinta em constante divida, principalmente com a mãe.

Há muito a se trabalhar sobre cada paciente e suas subjetividades na clínica, muitos resistem a busca ajuda psicológica pelo medo em lidar com a vida que tanto evitam, mas é necessário, afinal há muita dor psíquica instalada.

Imagem de capa: Shutterstock/happykanppy