Como a “crença em milagres” pode influenciar decisões de cuidados no fim da vida

Em um estudo que entrevistou pacientes e seus familiares, pesquisadores do Instituto Regenstrief, do estado de Indiana, nos Estados Unidos, observaram que quando o familiar acredita que um milagre poderia modificar o prognóstico do paciente, a tendência é que ele não aceite as medidas de “não ressuscitação”, bem como recuse os serviços dos hospices e escolha tratamentos mais agressivos.

Hospices são locais dedicadaos a prestar cuidados paliativos a pacientes com doenças terminais, que favorecem a qualidade de vida, reduzindo as dores e outros efeitos colaterais. Esses espaços não interferem no curso da doença principalmente porque, quando os pacientes chegam até eles, não há mais tratamento que modifique o prognóstico sem causar mais danos que benefícios à pessoa.

Para que um paciente se trate em um hospice, é necessário aceitar que ela tem uma expectativa de vida de seis meses, ou menos. Essa escolha seria oposta à esperança por um milagre, de acordo com a pesquisa, divulgada no periódico Journal of Pain and Symptom Management em setembro de 2019. “Os autores apontam que a religiosidade intrínseca, quando relacionada à crença em milagres, pode entrar em conflito com a opção por cuidados no hospice, indicando que as questões religiosas nas tomadas de decisão são mais complexas do que se imagina”, diz Mary Rute Gomes Esperandio, psicóloga e pesquisadora no campo das interações entre espiritualidade e saúde, professora dos programas de pós-graduação em Bioética e em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Para o estudo, os pesquisadores entrevistaram 291 pares de pacientes e os respectivos responsáveis, internados em três hospitais de uma região metropolitana. Foram também avaliados os prontuários médicos. A maioria (59%) dos familiares ou responsáveis indicou acreditar que um milagre salvaria o paciente. Os participantes, conforme aponta o estudo, eram em sua maioria cristãos protestantes.”

Um milagre para fugir

A busca de pacientes e familiares pr um milagre faz parte da rotina de Rodrigo Kappel Castilho, médico paliativista, colaborador da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) e coordenador do programa de cuidados paliativos da Santa Casa de Porto Alegre. “Nós vemos muitas situações em que o paciente utiliza da expectativa em um milagre para tentar fugir do que é físico, do que é explicável e do que é o mais provável no encaminhamento do seu curso. Mas cabe ao profissional acolher o espiritual, o que é sagrado ao paciente, a religiosidade da pessoa. Não faz sentido bater de frente com o que é milagroso. Até porque milagre é aquilo que não pode ser explicado”, afirma.

Ainda assim, de acordo com Castilho, as decisões médicas que são tomadas apenas pela possibilidade de um milagre devem ser debatidas. “O papel do médico é entender o que é o sagrado para aquela pessoa, mas também tentar entender as dificuldades que ela tem em encarar algo que é da biologia. E quando a morte chegar, seja quando for, como essa pessoa gostaria de ser cuidada”, reforça.

O apego aos milagres também se associa ao medo da culpa, conforme explica Clarice Yamanouchi, médica cancerologista, responsável pelos serviços de cuidados paliativos do Hospital Erasto Gaertner e do Instituto de Oncologia do Paraná. “O familiar espera ou acredita em um milagre por sentir-se culpado em não fazer alguma coisa. Isso existe muito na prática, especialmente entre pessoas muito ligadas umas às outras. Por isso que sempre reforçamos que as pessoas devem expressar as próprias vontades o mais precocemente possível” , diz a médica, que também é coordenadora da pós-graduação em Cuidados Paliativos da PUCPR.”

Como você gostaria de ser tratado?

Para evitar que decisões sejam tomadas sem o seu aval, ou de forma oposta àquilo que você imagina que seja a melhor escolha, converse hoje com seus familiares sobre como gostaria de ser tratado.

“Falar sobre sexo não aumenta a chance de engravidar, assim como falar sobre a morte não aumenta a chance de morrer. Mas é cultural não falar sobre a morte. A maioria dos brasileiros vai morrer com algum profissional que não tem a formação em Cuidados Paliativos e o profissional vai perguntar: o que você gostaria que eu fizesse com a sua mãe? Coloco no respirador? E a pessoa terá de decidir”, afirma Rodrigo Castilho, médico paliativista.

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Destaques Psicologias do Brasil, com informações de Sempre Família.
Foto destacada: Reprodução.






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