Crianças conectadas com seus sentidos são mais felizes

Não é raro vermos crianças demasiadamente conectadas com equipamentos eletrônicos, como tablets, smartphones e computadores, mas pouco ou quase nada conectadas com seus sentidos, isto é, muito mais voltadas para fora do que para dentro. São crianças que entendem tudo de sistemas virtuais, mas não sabem nada sobre seu próprio sistema. Não compreendem seus sentimentos, não sabem por que sentem, não conseguem resolver conflitos internos, não sabem dialogar com o outro, possuem pouca consciência sobre suas ações e nenhum conhecimento sobre sua existência no mundo.

Neste artigo escrevo sobre como proporcionar à criança experiências que a tragam de volta para si mesma, experiências que renovem e fortaleça, sua consciência daqueles sentidos básicos que o bebê descobre e nos quais floresce: visão, audição, tato, paladar e olfato. É através deles que experenciamos a nós mesmos e estabelecemos contato com o mundo. No entanto, em algum ponto do caminho muitos de nós perdemos a consciência plena dos nossos sentidos, eles se tornam embotados e nebulosos, e parecem operar automaticamente, desligados de nós. É preciso ajudar as crianças a sentirem-se fortes dentro de si próprias, ajudá-las a ver o mundo à sua volta tal como ele realmente é.

Muito do trabalho do terapeuta envolve ajudar a criança a tomar consciência de si mesma, mas este trabalhado também pode ser realizado nas escolas e até mesmo em casa, pela própria família. Os pais  podem usar as técnicas descritas para descobrir como são seus filhos e ajudar as crianças a descobrirem como são seus pais. O importante é o como. Como construímos o senso de eu da criança, como fortalecemos as suas funções de contato, como renovamos o seu próprio contato com os seus sentidos, com seu corpo, com seus sentimentos e com sua mente? Antes de qualquer coisa, devemos estar sintonizados com as necessidades da criança.

Aqui vão alguns exemplos de técnicas simples para oferecer à criança experiências sensoriais, corporais, verbais e emocionais:

Tato

Argila, areia, água, pintura com os pés, são técnicas que oferecem boa experiência táctil. Através delas as crianças são motivadas a falar de suas experiências tácteis favoritas. Atividades com uma variedade de superfícies, como madeira, veludo, lixas, pedra, metal, conchas, borracha. Tocar e conversar sobre a sensação que cada uma dessas coisas desperta nos estimula a pensar que parte de nossas vidas cada uma nos faz recordar. A capacidade de discriminar através de sensações tácteis é uma importante função cognitiva. Traçar letras e palavras em areia é um bom exercício, e fazer letras na argila ou massa de modelar é divertido. Pais: aprendam a desenvolver o hábito de massagear seus filhos. Fazer desenhos com os dedos nas costas da criança e pedir para ela adivinhar também é um ótimo exercício, além de todo o afeto que este momento proporciona, há grande estimulação da consciência corporal.

Visão

Quando são pequenas, as crianças não tem medo de olhar. Elas  observam, examinam, inspecionam tudo e muitas vezes, parecem fixar o olhar atentamente. À medida que vamos crescendo, geralmente abandonamos nossos sentidos, começamos a ver o mundo e a nós mesmos através dos olhos das outras pessoas.  A habilidade de enxergar o ambiente e as pessoas que nos cercam é necessária para o estabelecimento de um bom contato com a parte exterior a si mesmo. Sugiro que peça para a criança sentar-se diante  de uma flor, ou de qualquer outra coisa e veja o objeto em toda sua maravilha, fixe o olhar nele por um certo período de tempo, talvez 3 minutos e depois proponha um desenho, pode ser do que viu, do que sentiu, ou do que este objeto a fez lembrar. Conversem sobre isso.

Audição

Permitir que os sons penetrem em nossa consciência é o primeiro passo para tomar contato com o mundo, o início da comunicação. Sente-se em silêncio com os olhos fechados e deixe os sons chegarem até você. Note os seus sentimentos ao absorver cada som. Depois compartilhem impressões. Pegue pequenos potes e coloque uma variedade de objetos, arroz, feijão, tachinhas, botões, moedas. A criança sacode cada frasco e descobre a mistura que há nele através dos sons. Outra brincadeira divertida é o jogo do reconhecimento de sons. Com a criança virada de costas, faça algum tipo de som, como derramar água, bater um lápis na mesa, amassar um papel. A criança deve adivinhar qual som você está fazendo. Deixe a criança testar você também. Sons e sentimentos combinam. Converse sobre sons tristes, sons alegres, sons amedrontadores. Escute música com a criança e depois conversem sobre os sons ouvidos.

Paladar

A língua é uma parte muito sensível do nosso corpo, ela nos conta quando os alimentos são doces, azedos, amargos, salgados. Converse sobre sabores. Discuta quais são os sabores favoritos e os menos apreciados. Compare sabor e textura. A língua não apenas discrimina os sabores, mas também nos conta quando algo é duro, mole, frio, quente, áspero, liso.  Não se esqueça de incluir nesta discussão os dentes, lábios e bochechas, eles estão intimamente ligados à língua.

Olfato

Discuta o nariz, as narinas e a respiração. Sinta o ar com a palma da mão quando ele sai. Converse sobre cheiros preferidos e cheiros não apreciados. Propicie uma experiência com cheiro – flor, fruta, perfume, sabão, maçã, chocolate, casca de laranja, pimenta, casca de árvore, folhas, limão, vinagre, cebola, avelã, mostarda, café. Veja se a criança consegue reconhecer estes aromas. Converse sobre o que ela gosta e não gosta, bem como as lembranças que cada aroma evoca. Dê um passeio pela casa ou pelos arredores e descreva os odores.

Precisamos respeitar estas partes de nós mesmos que nos trazem tanto poder e sabedoria. Penso que como terapeutas, devemos ter habilidades para ajudar a criança a trazer à luz seu desenvolvimento emocional e psíquico. O objetivo dessas técnicas é ajudar a criança a aprender algo sobre si mesma e sua vida. Quando a criança se torna desligada de seu corpo, perde o senso de si própria, bem como grande dose de força física e emocional. Sugeri estas atividades para que possamos ajudá-las a conhecerem seus corpos, sentirem-se à vontade nele e aprenderem a usá-lo novamente. Espero que possam se divertir!






“Psicóloga formada pela Universidade do Triângulo Mineiro (UFTM), Mestre em Ciências pela USP. Atualmente atua na área clínica em Ribeirão Preto- SP atendendo adultos.