E fica o dito pelo não dito.

Quantas foram as vezes que você manifestou sua opinião e foi, em suas próprias palavras, mal interpretadx? Quantas vezes você supostamente repetiu o já dito anteriormente e, ainda assim, teve de dizer: “você não está me entendendo. O que eu quis dizer foi…”. Nessas ocasiões costumeiramente nos sentimos irritados por não sermos compreendidos e, em geral, depositamos no outro a “culpa” pela falta de entendimento. “Limitadx”, “desligadx”, “desatentx” são alguns dos adjetivos empregados para identificar a inaptidão dxs parceirxs de comunicação.

O que nos custa compreender é que não depende apenas do interlocutor o entendimento de uma mensagem. O emissor é parte fundamental da interação (parece tão obvia essa afirmação, não?), assim como o são o ritmo e a entoação com que se produz a mensagem,  os gestos e a expressão facial que a acompanham e o contexto em que os interlocutores estão inseridos (estão todos com pressa? Estão na sala do chefe? A relação hierárquica é assimétrica?)  . Ora, se óbvio está que muitos são os fatores que contribuem (e comprometem) a compreensão de uma mensagem, por que tão frequentemente nos vemos em conflito com nossos colegas ao acusá-los de não entenderem nossos pedidos e necessidades?

Se você está familiarizado com a imagem do iceberg da cultura, certamente reconhece que há muitas regras e padrões não revelados que fazem parte das mensagens que transmitimos. Essas regras são responsáveis pela “ordem” no nosso dia a dia: não é preciso explicitar que se diga bom dia ao chegar ao trabalho, que se evite palavrões em reuniões, que não se converse aos berros quando há outros colegas por perto. O problema está quando as tais regras não reveladas não estão claras para todos os participantes da interação. Ou quando estão apenas parcialmente claras. E cada um passa a agir de acordo com suas regras, que tem nuances importantes distintas de outros colegas e eis que surgem os desentendimentos.

Se ocultamos cotidianamente – e sem perceber – informações sobre as regras que governam nossos dias simplesmente porque não prestamos atenção a elas o tempo todo, também são inúmeras as ocasiões em que deixamos apenas implícitas informações básicas fundamentais de nossas mensagens. Seja por economia – ao acreditarmos que este ou aquele ponto “está mais do que claro”-, seja porque temos pressa ou porque esperamos que “Fulano saiba pelo menos essa informação”, nossas falas não explicitam ipsis litteris o que queremos dizer.

E sequer poderiam. Se tudo tivesse de ser explicitado detalhadamente o tempo todo, os diálogos não avançariam. Para isso o contexto está aí, apoiando a construção do sentido. No entanto, ao assumirmos que “Fulano já deveria saber isso”, “não vou repetir isso de novo”, “Ciclano que busque a informação por si mesmo”, estamos abrindo janelas para os desentendimentos e, consequentemente, possíveis conflitos. Uma coisa é deixar de dizer que , outra é deixar de trazer informações específicas sobre um projeto ou sobre os métodos empregados pela escola durante os processos avaliativos. Muitas vezes são as informações mais básicas as menos conhecidas, justamente porque todos acreditam que são conhecidas de todos. Mas não são.

E eis que surge a bola de neve das múltiplas interpretações. Para evitar que afete o andamento do trabalho conjunto,  é preciso que estejamos mais abertos a ler o contexto em que aquela informação será lançada: será que todos os que ouvem têm uma base comum de conhecimentos para digerir o que será dito? As diferenças na equipe são produtivas e somam? Há espaço para se discutir as possíveis interpretações? Como lido com a presença de pessoas de diferentes culturas ao divulgar uma informação?

Essas são apenas algumas das perguntas que devem ser feitas cotidianamente ao elaborarmos e repassarmos uma ideia. Além disso, é preciso também que chequemos aquilo que ouvimos, repetindo o que foi anteriormente enunciado, para garantir que se possa avançar a partir de uma base seguramente comum. Caso contrário fica o dito pelo não dito. E as perdas de se avançar sem questionar o entendimento podem ser bem maiores que os ganhos de correr para “não se perder tempo”.






Doutora em Linguística pela UNICAMP, Jana Viscardi sempre viu na linguagem o caminho para a disseminação de conhecimento e a busca por um mundo de maior compaixão e empatia. A partir de sua experiência tanto acadêmica quanto organizacional, atua hoje como consultora em linguagem, comunicação e conflitos em organizações e instituições de ensino. É criadora do canal do Youtube "Jana Viscardi", em que fala sobre temas relacionados à comunicação no ambiente de trabalho.