Especialistas criticam filme Coringa por associar doença mental a violência

O filme “Coringa”, dirigido por Todd Phillips e protagonizado por Joaquim Phoenix em elogiada atuação, levou médicos e psicólogos a questionar o tratamento dado ao transtorno mental vivido por Arthur, personagem principal da trama.

O texto abaixo contém “spoilers” do filme!

— A nossa sociedade preza muito o belo e o perfeito. Mas o filme trata de uma parte dolorosa e sofrida da realidade de uma pessoa que tem uma doença mental grave. Os dedos queimados de nicotina, a magreza, tudo isso é retratado. É uma parte da sociedade que a gente não quer ver, que as famílias não querem revelar, e o cinema foi lá e mostrou — diz a psiquiatra Alcina Barros, doutora em Ciências do Comportamento.

Breno Sanvicente, que é doutor em Psicologia pela PUC-RS e professor da PUC-RIO, ressalta que o filme comete equívocos “potencialmente perigosos” para a estigmatização do paciente. Um deles é a falta de um diagnóstico preciso da doença de Arthur, que tem traços que misturam transtornos mentais já conhecidos pela sociedade, como a depressão.

— As manifestações apresentadas não são compatíveis especificamente com nenhum dos transtornos reconhecidos. Arthur tem um pouquinho de cada uma e não se encaixa em nenhum diagnóstico. Assim, acaba sendo retratado mais como um louco do que como uma pessoa que sofre com uma doença a ser tratada — explica o especialista.

Ainda de acordo com Sanvicente, outro ponto que gerou muitas críticas ao filme é a associação da doença mental à violência. Para ele, a agressividade do personagem é tratada com muita ênfase, deixando para um plano secundário da trama questões importantes, como a interrupção de seu tratamento.

— É importate mostrar como o ambiente influencia na doença. Mas, ao mesmo tempo, o filme associa de uma maneira muito forte esses transtornos à violência. Quanto mais doente Arthur ficava, mais agressivo se tornava. E é fato que essas pessoas são mais vítimas de violência do que praticantes. O problema não é tratar da violência, isso pode de fato acontecer, embora seja menos comum. Mas sim mostrar esse aspecto com tanta ênfase, e tratar de uma maneira mais sutil, por exemplo, a interrupção do tratamento.

A psiquiatra Alcina Barros, especialista em psiquiatria forense, pontua, no entanto, que a trama retrata os multifatores da vida de Arthur que o levaram para a violência extrema. Entre eles, ela destaca o abandono do sistema de saúde, as violências físicas e a discriminação sofridas ao longo de sua vida.

— Ele sofreu maus tratos da mãe, teve seu tratamento médico cortado pelo governo, foi rechaçado no trabalho, é discriminado na rua, violentado, agredido pelo homem que ele acreditava ser seu pai e ainda virou chacota quando tentou a carreira de comediante. A sua violência é, portanto, reativa. Ele não planeja os ataques, enão tortura ninguém, não tem traços de psicopatia. A violência do Arthur é uma resposta, um impulso.

Sistema de saúde

Arthur se vê da noite para o dia desamparado quando o governo resolve cortar o seu tratamento. Nos EUA, não há sistema público universal de Saúde nos moldes do Brasil e o tratamento de pessoas que comprovem baixa renda e recursos limitados é feito de forma pontual por programas como o Medicais. No caso de Arthur, até o corte público, ele tomava um coquetel de medicamentos e comparecia regularmente às sessões de terapia.

Para Alcina Barros, que aprovou “Coringa”, o filme traz uma importante reflexão sobre o “modus operandi” do sistema de saúde e a importância da continuidade do tratamento dos transtornos mentais.

— Arthur é um personagem que pede ajuda. Ele vai às sessões, toma os remédios, gosta de trabalhar, cuida da mãe doente. Mas em nenhum momento recebe o tratamento que merece. Ele não é atendido por uma psiquiatra, e, sim, por uma assistente social. O filme aponta para a necessidade de se repensar as políticas públicas, o direito à medicação e o tratamento que essas pessoas recebem. Arthur, por exemplo, fala que em nenhum momento a assistente social o escutou, apenas fez as perguntas que são padrão — reforça Alcina.

A psicóloga Ana Beatriz Freire, professora do Instituto de Psicologia da UFRJ, destaca um ponto até então pouco mencionado na discussão em torno do filme. Para ela, além da crítica social ao acolhimento da psicose, à suspensão do tratamento e associação com a violência, “Coringa” é ousado eo retratar algumas das soluções buscadas pelos pacientes para lidar com seus transtornos.

— Quando ele aceita a nomeação de “Coringa” ele alcança uma estabilização. Arthur sofria com o anonimato, e esse foi o caminho que ele encontrou para sair dessa posição. Ele se torna um líder. A doença mental não é perigosa em si, mas pode ter soluções perigosas. A solução encontrada por Arthur o levou para a violência.

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Destaques Psicologias do Brasil, com informações de O Globo.
Foto destacada: Reprodução/Coringa (Joker) – Warner Bros.






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