“Falta de descanso faz com que melancolia se torne raiva ou depressão”, diz filósofa

Em seu mais recente livro, “La Melancolía en Tiempos de Incertidumbre, a doutora em Filosofia Joke J. Hermsen (Middenmeer, Holanda, 1961) analisa a depressão, sentimento que, para ela, explica em parte a ascensão da extrema direita. Ela defende que a epidemia de depressão que assola o mundo se deve ao fato de que não soubemos deter a melancolia em sua versão insana, o que leva o ser humano a cair no lado escuro, na ira e no medo.

Entrevistada pelo El País, a filósofa, que é também especialista na vida e na obra das filósofas Hannah Arendt e Lou Andreas-Salomé, explica de que maneira os políticos influenciam em nossa melancolia. “Neste momento temos muitos políticos que semeiam mais o medo do que a esperança. E isso é perigoso. Nossa melancolia precisa de esperança, de amor, de luz, de amizade… e quando a cercamos de medo corremos o risco de transformá-la em depressão. A responsabilidade desses políticos é grande. Existe o perigo, como dizia Hannah Arendt, de cair de novo em um sistema totalitário. Nunca devemos pensar que isso não vai acontecer conosco.”.

Na mesma publicação, a escritora explica a sua ideia de que a dificuldade que temos hoje para encontrar a calma é uma das causas da epidemia de depressão no Ocidente. ” Tento readaptar a distinção feita por Aristóteles entre a melancolia criativa e solidária, a melancolia zen e a melancolia que se transforma em uma depressão muito séria, uma melancolia insana. Existem várias causas para essa evolução; uma delas é a falta de esperança que torna a melancolia cada vez mais escura e que faz com que nos sintamos ameaçados. E outra é a falta de horas de descanso, de calma, de ataraxia, que faz com que nossa melancolia se transforme em cólera ou em medo, em depressão. E este é um problema generalizado.”.

Outra causa de nossa melancolia, de acordo com Hermsen, está na nostalgia que sentimos por nossos primeiros anos de vida, de que não nos lembramos porque não tínhamos desenvolvido a linguagem. ” Escrevi minha tese em parte sobre Lou Andreas-Salomé, que descobri através de Nietzsche. Ela elaborou a ideia de que durante a primeira infância temos a impressão de sermos unos, uma unidade com tudo o que nos rodeia. As crianças dizem sempre nós, nunca eu. Se você se olhar no espelho com um bebê nos braços, ele não verá diferenças entre ambos. Nascemos em algo que nos transcende. Por isso é tão importante quando crescemos e nos tornamos esse eu, ou esse ego completamente angustiado, reaprender a ser aquela criança que fomos, que era mais do que apenas ela mesma. É uma forma de pensar sobre a transcendência do eu para o nós. Sempre sentiremos melancolia por aquela criança que fomos, por esse nós.”.

A autora acredita que para tratar a atual epidemia de depressão o mundo precisa de uma aproximação às pessoas afetadas que integre o tratamento filosófico. “Nosso estado de alma é melancólico porque estamos conscientes de nossas perdas, estamos conscientes de que um dia morreremos e estamos conscientes dos anos e de tudo o que vamos deixando para trás. E o que é importante é que criemos horizontes de esperança em torno dessas nuvens, à sombra da melancolia. A melancolia precisa de esperança, amor, música, amizade, luz, dança… para não se tornar escura. Não é uma terapia, o que proponho é que percebamos que necessitamos, além da calma, também do amor. Não apenas com relacionamentos românticos, também o amor mundi, o amor pelo mundo mencionado por Hannah Arendt. Que nos sintamos em comunhão com o mundo e que sintamos esse amor compartilhado com ele. Necessitamo-nos mutuamente.

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Destaques Psicologias do Brasil, com informações de El País.
Foto destacada: Reprodução/El País.






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